Tenho perfeita noção de que há um achincalhamento do Parlamento por via do modelo de discurso das forças e figuras mais radicais. Quem não gosta da democracia, sabe que qualquer forma de ataque ao Parlamento ajuda os seus propósitos. O tom e teor repetido e “normalizado” de algumas intervenções, mais do que chamar à atenção, cria uma erosão na imagem parlamentar. Esta discussão agudizou-se agora, com a crise Ferro-Ventura, mas já vem de muito longe, é um processo de desgaste permanente, uma corrosão activa.

Os grandes pioneiros deste tipo de discurso e atitude foram os deputados do Bloco de Esquerda. Ocuparam a bancada com indumentária andrajosa, cuidadosamente descuidados e com um discurso verbalmente muito agressivo. Manipulação de público nas galerias, desrespeitando o Parlamento, incentivo à desordem em manifestações à porta da Assembleia, encorajamento à ruptura, tudo foi já feito pelos populistas bem preparados e orquestrados do Bloco. A famosa palavra vergonha, foi durante anos uma das balas tóxicas mais disparadas pelo Bloco.

A dada altura, o PS deixou-se tomar por um grupo muito parecido e próximo do Bloco, mas mais pragmático e lesto na prossecução das suas ambições pessoais. Galamba, Pedro Nuno Santos, Isabel Moreira e Pedro Delgado Alves protagonizaram a esquerdização do PS, com comportamentos radicais e inéditos no partido. Dois já chegaram ao governo da nação, um rácio interessante do ‘costismo’.

Todos nos lembramos do brinco e da agressividade despropositada e insolente de Galamba, ninguém ignora o terrorismo parlamentar de Pedro Nuno Santos, jamais esqueceremos, pelos piores motivos, o verniz nas unhas de Isabel Moreira, o cigarro electrónico a fumegar no hemiciclo, as declarações inusitadas de consumos de estupefacientes, o circo permanente que montaram.

Entretanto, juntou-se o senhor do PAN, mais pela excentricidade das iniciativas anunciadas que pelo folclore parlamentar.

Toda esta panóplia de comportamentos foi tolerada pela esquerda complacente e pela direita ausente, porque em Portugal não é permitido criticar a esquerda. Foi preciso chegar André Ventura para o caldo se entornar. O registo parlamentar de Ventura é claramente antissistema, não é de valorização do Parlamento, porque o Parlamento é a sede de todo o tipo de equilíbrios, compromisso e responsabilidade que o populismo abomina.

Quando um populista diz “eles são todos iguais”, tentando enxovalhar os outros políticos, tem que engendrar formas de se pôr fora do grupo. A forma encontrada é o desprezo pelo Parlamento. Ventura é o último a chegar a este pelotão; curiosamente, foi o primeiro a ser repreendido. A ver vamos, se a repreensão  se estende a todos os que assim agem, se é institucional, finalmente, ou apenas ideológica e parcial.

O populismo está aí de armas e bagagens. Diria que, a ter que existir, é melhor que haja finalmente à direita um contraponto ao populismo de esquerda e extrema-esquerda que nos tem infernizado. Há coisas a que os partidos do sistema não podem dar resposta, que só se dirimem entre pares. Que assim seja, já que tem que ser.

Por fim, o desacerto que o Parlamento tem mostrado a lidar com o Chega, a IL e o Livre. Será sempre incompreensível qualquer limitação mais castradora dos legitimamente eleitos na casa da democracia. Depois das excepções encontradas para o PAN na última legislatura, ainda mais incompreensível se torna esta guerra que os estabelecidos estão a fazer aos pequenos. É feio, e acredito que o resultado será exactamente o contrário do que pretendem. Não me revejo em nenhum dos deputados em causa, mas quero que o parlamento democrático do meu país lhes dê a oportunidade de intervenção que traduza o respeito por todos os que neles votaram. O CDS esteve bem neste particular, ao não alinhar na mordaça regimental em curso; não me sentiria bem no partido, se assim não fosse.

Concluindo, está na hora de o Parlamento exigir a todos, sem excepção, o respeito que lhe é devido; assim como, está na hora de o Parlamento se dar ao respeito, dando voz em condições de equidade a quem representa legitimamente eleitores de pleno direito.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.