Veja a afirmação: “Para termos um Portugal mais dinâmico e inovador, precisamos de apostar nas exportações, de controlar o crescimento das importações e do consumo interno”. Não é nada mais que reescrever o que muitos políticos e comentadores têm dito ao longo das últimas décadas. A frase foi e é repetida ao ponto de parecer uma verdade em si mesma. Infelizmente, esta assenta sobre uma confusão fundamental acerca da relação entre economia e os métodos contabilísticos que determinam variáveis económicas.

Exportar produtos e serviços contribui positivamente para o Produto Interno Bruto, no entanto, não devemos fazer disso um fetiche. O PIB mede tudo o que é produzido dentro do país, quer seja para exportação, quer seja para consumo interno. A obsessão dos media para com as exportações é especialmente agravante quando sabemos que qualquer produto comprado por um não-residente em Portugal é, tecnicamente, uma exportação.

Para dar um exemplo da vida real, uma garrafa de vinho comprada pelo leitor no Pingo Doce não contribui mais para a economia nacional do que a mesma garrafa de vinho comprada por um turista num café junto ao Douro, em Gaia. Isto é, além da segunda custar várias vezes o valor da primeira. Valorizar uma destas componentes em detrimento da outra, é contraproducente.

Pior que isso, no entanto, é a vilificação das importações. É raro ver um comentador que não saliente como “as importações diminuem o PIB”. Que ao valor da despesa se retira o valor das importações é factual, mas por razões contabilísticas; o efeito causal, de que mais importações significam PIB menor não é garantido. Importar produtos pode ter até, contraintuitivamente, um valor positivo na produção nacional.

Vejamos o exemplo das ilhas, como a da Madeira. Seguindo a lógica falaciosa anterior, para dinamizar a economia, deveríamos apostar na produção local de qualquer produto importado, desde arroz e grão em bico, até automóveis e computadores. O resultado seria desastroso. Certos tipos de produção são mais difíceis a impossíveis dado os constrangimentos locais; o clima e o solo não são próprios para o crescimento do arroz, por exemplo. Pelo que o investimento feito na produção local de arroz iria roubar recursos preciosos à produção de itens em que a Madeira é mais eficiente, como bananas.

Tal é verdade mesmo que o valor das exportações da Madeira para com o exterior seja nulo. Se comprar um carro produzido no continente (ou noutra parte do mundo) é mais barato do que produzi-lo, a Madeira está melhor sem produzir qualquer carro e a plantar mais bananas, independentemente de exportar bananas (ou qualquer outro produto) ou não. Mais ficam para os Madeirenses.

Quem tenha estudado o assunto pode afirmar que um défice na balança corrente implica endividamento para com o estrangeiro (a soma da balança corrente com a de capital e financeira ser 0). Isto é, aliás, uma identidade contabilista. No entanto, a conotação negativa de “endividamento” é desmedida. Endividamento para com o estrangeiro nada mais significa que um superavit financeiro, ou seja, de investimento no país que exceda o investimento português no estrangeiro.

Uma crescente vaga de investidores de qualquer parte do mundo a investir no nosso país não parece ser um efeito negativo, apesar da quantidade líquida de bens estrangeiros detidos por portugueses diminuir. Além disso, sendo os dois uma identidade, não temos causa-efeito — é o superavit financeiro a causar o défice comercial, ou o contrário?

O caso da Madeira aplica-se ao resto de Portugal. Dados os recursos que temos e a tecnologia atual, há um número limitado de coisas que o país pode produzir — pelo que devemos concentrar-nos nas coisas em que temos vantagem. Numa economia de mercado, isto significa que não devemos privilegiar a produção nacional em detrimento da estrangeira, ou promover as exportações em detrimento do consumo interno.

Felizmente, qualquer tentativa explícita de impedir importações ou privilegiar exportações é proibida por tratados europeus. No entanto, tentativas menos explícitas continuam a ser postas em práticas, em Portugal e no estrangeiro, e tanto os media quanto a classe política continuam a utilizar este discurso altamente ilusório.

Todos queremos um país mais dinâmico e inovador, e, nesse sentido, há muito trabalho a fazer. Desde a Educação à Saúde, ao combate à burocracia que sucessivos governos têm, com algum sucesso, iniciado, passando pela reforma judicial,  e por um sistema fiscal mais equitativo, tudo isto são áreas onde podemos inovar.

Sabemos que na vida real nem tudo é tão simples quanto posso ter feito parecer – a Madeira, felizmente, produz mais que apenas bananas; e produzir para consumo interno é diferente de produzir para o estrangeiro, em forma, material, ou função, como muitos empresários atestam. O que a simples lógica económica afirma, no entanto, é isto: não é a manipular a balança corrente que conseguimos alcançar um futuro promissor, é resolvendo os nossos problemas de fundo.

 

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.