A doença do cancro é a segunda maior responsável pela mortalidade em Portugal, logo depois das doenças de foro cardiológico, com cerca de 26% do total de mortes. Segundos dados oficiais, cerca de quatro em cada mil portugueses têm um tumor maligno, uma percentagem que varia consoante os sexos (maior incidência na população masculina) e a idade (mais frequente nos menos novos).

Tanto quanto é possível prever, o efeito combinado do envelhecimento populacional com as terapêuticas de sucesso no prolongamento da vida, teremos cada vez maior incidência até 2050. Por isso é tão importante o programa nacional de rastreios, e o seu acesso a todos os cidadãos (também por isso, e não só, a importância de todos os cidadãos terem acesso a médico de família no SNS, mesmo aqueles que beneficiam de um acesso a um qualquer subsistema). Entre os mais importantes de serem realizados, os rastreios do cancro do cólon, reto, mama e oral, sempre por orientação do médico de família.

Mas o combate ao cancro não se realiza apenas com rastreios. O diagnóstico é vital, como também são o tratamento e o estadiamento (atente-se que no SNS, um doente internado fica em média dez dias de cada vez).

O aumento da prevalência na população portuguesa, caminha a par e passo com um aumento contínuo de cirurgias a neoplasias malignas, e a um disparar do custo com os medicamentos (citotóxicos, hormonas e anti-hormonas, imunomoduladores), quer nos sectores estatal, privado ou social.

Talvez devido às deficientes condições de estadiamento no SNS, pela maior cobertura de seguros de saúde privados, ou pelo facto de 15% das cirurgias no SNS serem realizadas em excesso dos tempos máximos de resposta garantidos, os hospitais privados têm reforçado a sua quota de ‘mercado’ no diagnóstico, tratamento e estadiamento nos casos de cancro.

E aqui começam os relatos de doentes empurrados para os hospitais estatais quando os seguros atingem os limites máximos contratados, ou de doentes que vão à falência. Sim, porque aqui temos uma falha de mercado. Uma situação de informação assimétrica, como dizem os economistas. De um lado, os especialistas, com toda a informação (hospitais privados), do outro, doentes (e familiares) assustados, a quem não é fornecida uma informação realista dos custos estimados de cada ciclo de tratamentos e estadias. Doentes que descobrem, impotentes e a posteriori, como não têm recursos para pagar os tratamentos e as estadias. Especialmente porque os medicamentos que lhes são administrados têm preços livres e lhes são cobrados valores muito superiores aos que o Estado paga por abastecer o SNS.

Convém que não haja dúvidas sobre isto. Alguém se aproveita da ignorância, da urgência (e os episódios de urgência são casos flagrantes onde não existem orçamentos ou previsão de custos) e da falta de informação alheia para um enriquecimento desproporcionado. Num país que tanta coisa regula, da qualidade da água que bebemos, à composição da comida que compramos, por exemplo, curiosamente não consegue combater este flagelo que afecta os doentes oncológicos em Portugal que recorrem ao sector privado.

Se há um sector em que os cidadãos exigem uma ministra da Saúde interventiva é este. Só a titular desta pasta ministerial tem a devida autoridade para regular os preços e impor regras ao modo amoral como este ‘mercado’ funciona. Uma área que é responsável por quase 6% da despesa nacional da saúde e que, em muitos casos, ainda por cima dita um empobrecimento repentino e injustificado dos doentes. Como se a doença não fosse já, por si só, uma dura experiência na vida de quem tem o azar de a ter.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.