Isto de nos dizermos feministas tem muito que se lhe diga, para mais quando ainda há tanta coisa por mudar. Não sou uma activista, escrevo algumas coisas científicas sobre participação política onde o género é uma variável, mais ou menos importante, de acordo com o objectivo do estudo. Para os assustados com a palavra feminismo, tornada ‘palavrão’ por radicais dos “dois campos”, digo-vos que não vale a pena assustarem-se: assim como os comunistas não “comem crianças ao pequeno-almoço”, também as feministas não querem o mundo só para elas e muito menos ‘acabar’ com os homens ou subjugá-los.

Como académica que sou tenho visto muita injustiça baseada no género dos intervenientes. E falo de preconceito puro e duro. Não faltam histórias e historietas para escrever vários romances de cordel. Da injustiça indirecta, muitas vezes mais difícil de detectar, também conheço muitos casos. Com este manancial de indícios não posso deixar de pensar que “a sociedade lá fora” está ainda a anos-luz do que seria desejável em termos ideais de igualdade e equidade. Mas não me alongo neste ponto, porque já tenho aqui chamado a atenção para tais disparidades, sobretudo na conservadora e fechada Academia do nosso país.

Mas então, o que é que o Facebook tem a ver com isto? Eis algumas coisas que me chamaram a atenção. Poderia deixar a palavra machismo de lado e, em alternativa, escolher expressões como “abuso de poder”, “falta de profissionalismo” e até falta de capacidade de raciocínio lógico e coerente”, mas opto por falar em machismo, com tudo o que o mesmo acarreta. Na verdade, há no nosso país, mas não só, uma certa cultura da “gracinha” e da ofensa opaca que, por norma, emerge para desconsiderar a mulher enquanto tal: só porque o é. Estas manifestações de machismo vêem-se em todo o lado, directa ou indirectamente, e o Facebook não é excepção.

Tenho estado atenta a certos comentários de pessoas que conheço, ou que conhecem alguém que conheço, nas redes sociais e constato – atenção que isto não é uma amostra representativa – que o comentário feminino, em particular sobre assuntos sérios como política, é maioritariamente ignorado quando existente, pois sabemos que, no geral, as mulheres têm tendência a comentar menos estes assuntos. Em Portugal, é típico não se dar importância a quem não se quer dar importância. Não raras vezes, isto é bem visível ao nível do género e por parte de intelectuais tão igualitários e defensores da equidade na sua retórica, mas que afinal se enquadram no “faz o que eu digo não faças o que eu faço”. É tão comum nestes opinion makers que chego a ficar atónita. Claro que estas coisas são multicausais… podem ter a ver com outros aspectos como a cor do cabelo de uma pessoa, ou outra coisa qualquer como ser gorda ou magra.

Relembro, a este propósito, o triste episódio do recente acórdão do juiz do Porto sobre a agressão a uma mulher, cujo marido viu a sua pena atenuada com argumentos medievais, isto para ser bastante generosa com a prosa utilizada. Não só este exemplo é um exemplo do que acontece todos os dias nos tribunais do nosso país e um pouco por todo o lado com consequências díspares, como me choca profundamente que uma mulher – sim, uma mulher – tenha assinado tal acórdão nos termos que ficaram conhecidos pela comunicação social.

Ser feminista não é nem deve ser uma moda, tal como também não é um estado de alma nem sequer uma gaveta ou categoria onde tudo cabe. Ser feminista é defender a igualdade de direitos entre todos nós, portanto, é uma questão de Direitos Humanos. Podem carimbar argumentações como bem vos apetecer, mas isso, só porque é repetido à exaustão, não apaga a realidade, arranjem-se, ou não, desculpas.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.