O dicionário Collins anunciou recentemente que “fake news” é a palavra (ou, em rigor, a expressão) oficial do ano de 2017. A escolha terá ficado a dever-se ao aumento de 365% da sua utilização no espaço mediático relativamente ao ano anterior.

Ainda que muitas vezes a expressão fake news seja utilizada sem o mínimo de propriedade – por exemplo, na boca de Trump, que aliás afirma ter inventado o conceito, serve simplesmente para designar notícias que lhe são desfavoráveis ‒, este aumento extraordinário da sua presença na esfera pública não deve ser desvalorizado. Bem pelo contrário, deve levar-nos a refletir com seriedade sobre os contornos desta nova realidade. Sem essa análise nunca seremos capazes de perceber por que razão as fake news têm um impacto relevante na formação da opinião dos eleitores, nem procurar remédios eficazes contra a doença que está na sua origem.

Assim, em primeiro lugar, importa não confundir as novas notícias falsas ‒ conteúdos que, não obstante serem difundidos como uma notícia (resultante até de um trabalho jornalístico), são deliberadamente inventados ou fabricados ‒ com as velhas notícias não confirmadas, que são aquelas peças em que o jornalista se enganou ou foi enganado. Nas fake news há dolo direto na fabricação e na difusão inicial de um conteúdo que só aparentemente é jornalístico. Nas notícias erróneas, pelo contrário, o jornalista limita-se por regra a atuar no apuramento dos factos com uma diligência inferior à que lhe seria exigida.

Em segundo lugar, é importante separar claramente as fake news da propaganda política. As diferentes mensagens de propaganda ‒ como os slogans de campanha ou as promessas eleitorais ‒ são frequentemente falsas ou irrealistas. Sucede que, em democracia, quando a comunicação não é controlada pelo Estado, essas mensagens não são apresentadas aos eleitores sob a forma de notícias. Ainda que, fruto da cobertura jornalística das eleições, esses conteúdos propagandísticos apareçam nas notícias todos os dias, eles não pretendem fazer-se passar por notícias. Slogans como “o México vai pagar o muro” ou “o RU paga à UE 350 milhões de libras por semana” contêm obviamente mensagens falsas, que, todavia, são assumidas diretamente pelos candidatos ou partidos que estão na corrida.

Em terceiro lugar, as autênticas fake news também não devem ser confundidas com outros fenómenos recentes, mais ou menos censuráveis, que povoam o espaço mediático, como sejam as chamadas “bullshit news”, o “clickbait”, o “spin” (ou “spinning”) e até o “leaking”.

Nas bullshit news, pretende-se sobretudo chamar a atenção dos consumidores, com conteúdos de escasso valor informativo e que vivem sobretudo da exploração das suas inclinações. Simplesmente, a atratividade destas notícias passa em larga medida ao lado da questão da veracidade dos factos. Por exemplo, é verdade que Madonna disse que vive em Lisboa como uma freira. É pouco provável, contudo, que a vida dela em Lisboa seja semelhante à de uma freira. Mas também é irrelevante saber.

Já o clickbait é uma estratégia destinada a aumentar o tráfego online e que, não obstante gerar algum incómodo para o consumidor, é neutra relativamente aos conteúdos a que é aplicada. Pode ser aplicada a notícias verdadeiras ou falsas, a bom e a mau jornalismo, a títulos mais ou menos sensacionalistas, a informação ou a opinião. Tem sido a forma encontrada por alguns meios de comunicação social para, através do aumento das receitas da publicidade online, ultrapassarem a crise do seu modelo tradicional de financiamento.

Por sua vez, o spin é uma técnica de marketing político que consiste em torturar a realidade até que ela confesse o que pretendemos ver ou ouvir. Os spin doctors, que não habitam apenas nos gabinetes governamentais e nos staffs partidários, têm certamente uma relação muito flexível com a verdade. Mas o seu objetivo é por regra o inverso das fake news: em vez de denegrir um adversário com uma estória negativa inventada, trabalham com base em factos reais, com o objetivo de dourar a pílula ao gosto do cliente ou de escolher o ângulo que os faz ficar bem (ou menos mal) na fotografia.

Finalmente, no leaking começa por existir apenas um conjunto de dados ou documentos em bruto, dos quais depois podem ser extraídas notícias. Em princípio essas notícias serão verdadeiras ou, pelo menos, os jornalistas procurarão progressivamente aproximar-se da verdade. O que caracteriza o leaking é o modo pelo qual os dados foram libertados, que implicou a violação de alguma forma de segredo (de Estado, de justiça, profissional, comercial), ainda que essa violação inicial não ponha em causa a legitimidade da subsequente investigação jornalística.

Com os contornos assim delimitados, as fake news são um fenómeno bem menos disseminado quanto o aumento do uso da expressão no espaço mediático poderia fazer supor. É, ainda assim, um fenómeno muito grave, com uma enorme capacidade disruptiva da comunicação no contexto das democracias ocidentais e, sobretudo, em processos eleitorais fraturantes.