Os pacotes de felicidade instantânea parecem ter chegado ao Governo a julgar pela forma como apresentou algumas prioridades do Orçamento do Estado para 2020.
Será que o documento entregue na Assembleia da República espelha a propagandeada prioridade à saúde mental? Será que a preocupação com a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde é também uma prioridade para os próximos anos e a começar já em 2020? Será que as condições para a retenção de profissionais e/ou a sua atracção na administração pública estão presentes nas medidas descritas no orçamento e concernem apenas ao Orçamento do Estado?
Para a sustentabilidade dos sistemas públicos e das organizações privadas é cada vez mais consensual que é necessário avaliar e prevenir os riscos psicossociais no trabalho contribuindo decisivamente para melhores condições de trabalho e para mais eficiência dos processos e, consequentemente, para a qualidade dos serviços prestados e já agora para que os problemas criados no trabalho não continuem crescentemente a entupir o Serviço Nacional de Saúde pago por todos nós.
Está isto contemplado na estratégia do Governo para 2020 e particularmente para o Serviço Nacional de Saúde?
Ao longo dos últimos anos tem sido crescente a aposta das empresas na área da saúde e da “felicidade”. Sucedem-se acções muito diversas desde a ginástica, o ioga, a meditação, até ao acesso a consultas em várias áreas da saúde, incluindo algumas ditas terapias não convencionais. São pacotes e pacotes de “ofertas” aos trabalhadores a cobro da dita busca pela felicidade ou por mais saúde dos trabalhadores. O pouco que isto possa significar por ano, por trabalhador, em certas empresas já assume valores consideráveis, podendo ascender aos 4.300 dólares por trabalhador (700 dólares directos), como por exemplo numa empresa da grande distribuição.
E os resultados? Em bem-estar ou em produtividade por exemplo? Estão a ser avaliados? Durante quanto tempo se mantêm? E os principais custos para as empresas ou para o Estado serão mesmo os que concernem à saúde física, com custos médicos ou farmacológicos associados, ou mesmo o absentismo? E não será a saúde psicológica promovida através de técnicas avulsas e descontextualizadas, algumas vezes agravadas por serem aplicadas por quem nada mais sabe do que alguma coisa sobre a aplicação da técnica?
Aos administradores e gestores convido a priorizarem, em 2020, acções para construírem, verdadeiramente, com base na evidência científica, locais de trabalho saudáveis, promovendo a saúde psicológica nas vossas organizações, e a contratarem os serviços de psicólogos para o fazer, como aliás contratam contabilistas certificados para fazer a sua contabilidade, ou revisores oficiais de contas para as suas auditorias ou advogados para redigirem os seus contratos.
Assim, talvez comecem a construir organizações mais competitivas e eficientes, pois se acompanharem o conhecimento mais actual sabem que mais bem-estar nos locais de trabalho traduz-se em mais talentos comprometidos convosco e mais valor criado, bem como uma verdadeira responsabilidade social, seja numa empresa industrial têxtil, num banco, numa instituição de Solidariedade Social ou num hospital.
O compromisso dos trabalhadores com a sua organização também depende da forma como se sentem ouvidos, valorizados e respeitados e isso não é compatível durante muito tempo com programas de felicidade em pacote ou outras panaceias e acções de propaganda com efeitos de muito curto prazo, quando os têm! É necessário sim, avaliar os riscos psicossociais e realizar planos de prevenção dos mesmos à medida das necessidades de cada local de trabalho. Por isso, não é de pacote… depende!
É a credibilidade da gestão e das lideranças, públicas ou privadas, que fica em causa, são recursos consumidos e os resultados pretendidos adiados.
A sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde começa nas nossas casas e nos nossos locais de trabalho, só depois se expressa pelos serviços do SNS. A retenção de talento não se faz apenas com mais uns, poucos, prémios, por muito que merecidos.
Também não é uma simples expressão nem lugar comum alertar para a necessidade de credibilização dos actores políticos, mas sim uma preocupação cívica com a qualidade da democracia e a sua evolução e manutenção enquanto tal. Para isso é necessário contribuirmos todos os dias com as nossas atitudes e comportamentos, para além das nossas palavras.
Prometer e não cumprir com habilidades linguísticas ou contabilísticas, ou insistindo em ignorar as evidências já conhecidas e até reconhecidas, descredibiliza os decisores políticos ou outros e alimenta o descrédito e aqueles que dizem “eles falam, falam, falam…”.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.