Um artigo do jornal “Público”, a propósito do exame nacional de Português de acesso à universidade, começava com a seguinte frase: “dificuldades de interpretação e argumentação causam dissabores aos alunos no exame do 12.º ano”. A realidade é que a importância de saber interpretar, explicar e argumentar é um dos principais problemas da Educação no nosso país.
Empiricamente, e de uma forma geral, como professor universitário há mais de 15 anos, assisto a uma degradação da capacidade de interpretação de casos e de transmissão de ideias, por parte dos alunos que chegam à universidade, exatamente para os mesmos problemas que colocava há uma década por mim, nas mesmas unidades curriculares.
De notar que não se trata dos tradicionais erros de ortografia dos “Á” em vez de “Há”, do “Houveram” em vez de “Houve”, do especial “Fostes” em vez “Foste”, tal qual o “Previlégio” em vez de “Privilégio” ou o “Fazer o comer” em vez de “Fazer a comida”. A estes erros ortográficos juntou-se, mais recentemente, uma queda gramatical crítica na estruturação de uma frase, chamada Verbo! Muitos jovens transmitem pedidos ou ações com o “Podes bola?” em vez de “Podes passar a bola?”.
Com maior ou menor aceitação do acordo ortográfico de Português, os erros gramaticais indicados têm-se se mantido ao longo de gerações, mas, apesar de demonstrarem falhas graves estruturais do ensino e aprendizagem, tal não se compara com a crescente incapacidade de interpretação de factos, transmissão de ideias e capacidade de saber discutir com argumentos estruturados.
Estes três fatores fundamentais na evolução pessoal e profissional de qualquer pessoa, treinam-se desde os primeiros anos de escolaridade, razão pela qual se pode interpretar que algo tem sido, de facto, menos bem feito nas bases educativas no País.
Falar, ou saber escrever palavras, não significa saber comunicar!
Comunicar implica várias coisas, entre as quais saber interpretar o que nos é dito (temos dois ouvidos), para que possamos corretamente assimilar, fazer uma análise crítica e poder transmitir a nossa visão.
Este processo, em particular quando transmitimos através da escrita, implica que seja importante uma escrita objetiva e concisa, apta a ser lida por completo e que garanta clareza na transmissão da mensagem, independentemente do humor que o recetor, ou recetores, tenham quando recebem a mensagem.
Se a escrita tiver erros gramaticais ou uma densidade elevada, capaz de criar risco de desatenção sobre a mensagem central, o recetor de imediato se vai concentrar na distração da incoerência, como se desconcentra e, até mais facilmente, deixa de interpretar a pretensão da mensagem.
A arte de comunicar implica reconhecer que há um emissor e um ou mais recetores. Entre eles existe um canal de comunicação (como um tubo de canalização das nossas casas) que tem ruído no canal, nomeadamente, o humor de contexto daquele momento do recetor, a história e a vivência dos intervenientes e a capacidade de interpretação, ainda mais se a mesma carecer de elevada complexidade.
Ou seja, aqueles que consideram que basta falar ou escrever para comunicar, esquecendo-se do verbo na forma adequada ou esquecendo-se do ‘H’ no ‘há’, considerando que alcançou o seu objetivo, está muito enganado. Do outro lado, há uma elevada probabilidade de se assumir que há limitações técnicas e défice de consistência no outro, perdendo-se a credibilidade e a mensagem em toda a linha operacional técnica.
Saber resolver enigmas, estruturar táticas de resolução de desafios tornando-os oportunidades, ou mesmo, decifrar e interpretar mensagens diretas ou indiretas, algumas com astúcia, são capacidades cruciais para criar valor acrescentado pessoal e profissional.
Tudo isto se treina desde pequeno, não com facilidades e apresentação de soluções, mas com orientações e realização prática. Cometendo erros em fases prematuras da vida, antes de os cometer em fases fundamentais da vida e com maior impacto.
Que sociedade procuramos? Que empresas desejamos ter? Muito se pode discutir, naturalmente, mas ter pessoas que comuniquem, tenham análise crítica e façam melhor do que “falarem apenas”, minimizando tentativas que se avizinham mais totalitárias, de esquerda ou direita, será certamente um dos caminhos essenciais.
Como? Com uma requalificação da exigência e não do facilitismo como cultura, com o incentivo pela análise e discussão crítica e não pela entrega da solução. Enfim… conforme uma sábia tradição, “não lhe dês o peixe, ensina-o a pescar!”.