De tudo o que sabemos do Novo Banco, o mais assustador é a equivalência quase absoluta dos seus dirigentes a Ricardo Salgado e ao falecido GES. No caso do Novo Banco, porém, tudo parece ter sido feito para assegurar que as operações realizadas se efetuaram dentro dos termos da Lei e “segundo as melhores práticas internacionais”.

Não analisarei aqui a muito debatida operação de venda de alguns milhares de imóveis com um substancial desconto a um fundo de investimentos sediado nas Ilhas Caimão, com umas sociedades imobiliárias de meia-tigela portuguesas metidas pelo meio e com recurso a uma filial luxemburguesa que, pouco após a assinatura da venda, nomeou para seu diretor David Bartlett que antes exercera funções na Lone Star.

A única coisa que me interessa analisar é a atitude do Novo Banco, da sua atual direção, do seu CEO, do acionista que representa e de como um banco que custará aos portugueses próximo de 10 mil milhões de euros – ou seja, mil euros a cada um de nós, crianças, adolescentes e velhinhos – se entrega de boa vontade a operações que revelam a total falta de escrúpulos e a rapacidade só verdadeiramente conhecida em abutres que, acertadamente, dão nome a fundos como a Lone Star.

Em primeiro lugar, comecemos pelo próprio banco. Naturalmente que conceder empréstimos hipotecários está no objeto do seu negócio. É também sua obrigação assegurar-se de quem é o hipotecado e da sua solvabilidade, o que normalmente é feito com recurso à análise do seu historial, da sua capitalização, de quem são os seus acionistas, dos ativos detidos, etc..

Segundo o “Público”, o único negócio que se conhece às sociedades compradoras é justamente a compra dos ativos imobiliários do Novo Banco. Nenhum dos acionistas do fundo é conhecido, são anónimos. As sociedades não tiveram atividade nem antes nem depois deste negócio. Acresce que, sediadas nas ilhas Caimão e no Luxemburgo, nenhuma poderá ser escrutinada pelo banco.

Como cidadão, se me dirigir ao balcão do Novo Banco para comprar um T1 por 100.000 euros, toda a minha vida financeira, o meu salário e o meu IRS serão imprescindíveis para que o banco valide o empréstimo hipotecário. Se estiver dado como mau pagador no Banco de Portugal, o crédito ser-me-á negado. A compra, financiamento e consequente hipoteca de imóveis às cinco sociedades imobiliárias nacionais, detidas pelo fundo, e vendidas com desconto superior a 40% não terá sido objeto de um critério prudencial igual ao que qualquer cidadão seria submetido. Imperdoável.

Em segundo lugar, António Ramalho, o CEO do Novo Banco. Entende-se que deva seguir diretivas do acionista, do seu patrão. Mas isso não o desobriga de conduzir uma operação de forma límpida e de ter em conta também os interesses do acionista minoritário, o Fundo de Resolução que, em última instância, é garantido por todos os portugueses. Ao determinar ou aceitar uma venda com desconto muito elevado a sociedades sediadas em offshores, sem história e de curta vida, permite as mais ínvias interpretações, entre elas de que o comprador será a própria Lone Star.

Os esclarecimentos emitidos pelo banco, todos eles refugiados em termos semi-técnicos em inglês, como se isso fosse garante da bondade das decisões, nada desmentem. António Ramalho, um gestor todo-o-terreno que se sente tão bem a gerir infraestruturas como bancos, deveria perceber que com a sua longa e, até agora, impoluta carreira, há um momento em que, se os desejos do acionista e patrão não encaixam na ética superior que dele esperamos, o melhor a fazer seria demitir-se, independentemente da legalidade dos seus atos.

Em vez disso, arranjou forma de declarar que esperava recolher prémios à sua gestão, já no próximo ano. Vender-se por um punhado de moedas é o pior que qualquer pode fazer.

Em todo este processo, o mais triste é constatar que, por detrás de cada falência, por detrás de cada resgate existe, quase sempre, uma falência superior, uma falência moral cujo julgamento decorre na consciência de cada um e de todos nós. E a sentença está dada.

BES e Novo Banco. Mudaram as pessoas. A saga continua.