Na biografia, recentemente editada em Portugal, de George Lucas, criador de “Star Wars” há um momento em que o amigo Francis Ford Coppola lhe pede para arranjar financiamento para o ídolo de ambos, Akira Kurosawa, terminar o seu (brilhante) filme “Kagemusha – A Sombra do Guerreiro”, pois não o permitiam concluir a sua obra pela idade vetusta. Lucas afirmou: “Era uma tragédia. Era como dizer a Miguel Ângelo, ora bem tens 70 anos e não te deixamos pintar mais”.

Logo, ao contrário de certas críticas, Cavaco Silva tem todo o direito de intervir quando bem entender, até porque o seu estatuto assim o exige e em todo o mundo quem exerceu as mais altas responsabilidades no Estado é respeitado, por muito que a comunidade não morra de amores por essa mesma personalidade.

Ao contrário do mito de Sá Carneiro e do ainda tangível Pedro Passos Coelho, o PSD tem menos ligação emocional com Cavaco Silva, apesar de duas maiorias absolutas e de dez anos em Belém, também porque o próprio construiu o seu poder à boleia do PSD mas vestindo a pele do anti-político e de homem alérgico às tricas partidárias e aos “arranjinhos” do aparelho.

Em uma semana escreveu no “Observador” e deu entrevista à CNN, que marcaram a agenda política e obrigaram os peões de António Costa a responder perante tamanha assombração, que ainda assusta, após quatro anos em que Rui Rio, nos seus sonhos mais lúbricos, pretendia o Bloco Central e por isso nunca atacou o PS, o tal parceiro desse sonho que virou pesadelo para ele e para o PSD.

Cavaco apareceu para dar a táctica bem clara a Luís Montenegro, a qual resumi em três palavras na CNN: tiro ao boneco. O alvo é Costa e o Governo, falar do Chega e IL é perder tempo e, mais importante, significa perder a liderança firme do centro-direita. Porque o próprio ex-líder sabe que se o PSD não virar a agulha pode correr o risco de lhe suceder o mesmo (mas à direita) que ao PSF em França, que perdeu a hegemonia do seu espaço político da esquerda moderada para os extremistas, e extinguir-se.

No entanto, houve algo que nas duas intervenções – e foi importante a defesa do seu legado – as deixou mancas. É que em ambas não tocou em Marcelo Rebelo de Sousa e todos sabemos que, até à maioria absoluta, houve um dueto da corda de enorme conivência entre Belém e São Bento. Por isso, também, falta saber o que pensa Cavaco da maneira como o seu sucessor interpreta os poderes presidenciais e como observa a sua actuação radicada no lado emocional de um homem que está nos seus antípodas. Marcelo dá abraços, tira selfies e é macio, Cavaco é de silêncios e de granito. Falta a Cavaco dizer mais, será útil também para o seu legado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.