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Falta de escala das empresas justifica a baixa produtividade, defendem especialistas na conferência do JE

No painel que juntou Vítor Bento, Paulo Macedo, Cristina Casalinho, António Mendonça e Paula Gomes Freire, a palavra de ordem para 2023 foi “incerteza”. Mas foram avançadas soluções para melhorar a produtividade das empresas.
Cristina Bernardo
16 Setembro 2022, 16h40

Na conferência do Jornal Económico, a propósito dos seus seis anos, que se realizou em Lisboa no ISEG – num painel onde Vítor Bento, economista e presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB); Cristina Casalinho (ex-presidente do IGCP); a advogada Paula Gomes Freire, que é managing partner da Vieira de Almeida & Associados; e Paulo Macedo, CEO da Caixa Geral de Depósitos – debateram o que vai ser  “Portugal em 2023”.

Vítor Bento começou por falar da inflação, dizendo que não se sabe ainda se a inflação vai ser “dominada”, acusando os bancos centrais de terem reagido tarde à inflação com a subida dos juros. Porque, diz o presidente da APB que é economista, os bancos centrais estavam convencidos que a inflação vinha apenas de um “choque da oferta”. O aumento da procura, no pós-pandemia, juntamente com o estrangulamento da oferta foi o primeiro motor da subida da inflação que começou a subir no fim do ano passado.

“Os bancos centrais reagiram tarde e por isso correm o risco de terem desancorado as expetativas, e é isso que pode alimentar durante muito mais tempo o processo inflacionista”, disse Vítor Bento que lembrou que os bancos centrais e em particular o Banco Central Europeu, vão ter de lidar com um dilema que é, por um lado, têm de assegurar a estabilidade dos preços e por outro têm de garantir a sustentabilidade financeira da dívida. O que pode acabar por “ser contraditório” em termos de atuação do BCE. “Não nos podemos esquecer que balanço do banco central inchou muito desde 2015 e em particular desde 2020”, destacou. Vítor Bento considera que o preço das casas aumentou brutalmente por causa dessa “ação” dos bancos centrais, referindo-se às facilidades de liquidez do BCE nos últimos anos.

Tudo para dizer “que não sei se vai ser suficiente subir as taxas de juros para arrefecer o ciclo da economia”. Se esse arrefecimento vai gerar recessão ou não “está ainda para ser visto”.

A incerteza é a palavra de ordem para 2023

Depois foi a vez de Paulo Macedo, CEO da CGD, que hoje admitiu que Portugal entre em recessão em 2023. Mas lembrou que comparando com a crise financeira de 2008, “temos sofrido muito menos no nosso custo da dívida pública do que a Grécia, e tivemos recentemente uma subida do rating”, realçou o banqueiro. “O grau com que entrámos nesta crise é totalmente diferente”, disse o CEO da Caixa que lembrou os altos níveis de poupança devido à pandemia, sobretudo das empresas, mas também dos particulares.

Por outro lado, as empresas vão registar uma subida de lucros e de vendas este ano, salientou o presidente da CGD. “Mesmo que o número das unidade vendidas caia, sobem os preços e portanto as receitas mantêm a subida”, referiu.

“Para o ano temos maior incerteza, mas ninguém está a falar de níveis de inflação da ordem de grandeza deste ano para 2023”, disse o banqueiro que acredita que a inflação se deve ao movimento atual de “desglobalização”, devido aos acontecimentos geopolíticos que provocaram a mudança nas cadeias de abastecimento para países onde esse abastecimento é mais caro.

Paula Gomes Freire, managing partner da Vieira de Almeida (VdA), optou por orientar a sua intervenção em três palavras: “incerteza, desconhecimento e confiança”. Mas  acabou por relatar que, no que toca à confiança, “no imediato, não observamos uma grande variação de operações de fusões e aquisições (M&A)”.

“Num contexto inflacionista, as empresas que são cash-rich têm tendência a livrar-se da liquidez, pelo que há uma série de players com apetite por oportunidades de investimento”, disse. Já, noutro tipo de potencial comprador, como grandes grupos industriais mais expostos aos custos de energia e mais dependentes do custo de financiamento, parece-me que terão uma maior dificuldade em pensar em grandes operações de M&A”, afirmou.

O que aconteceu é que se tornou mais difícil avaliar qual é o retorno possível e expetável, disse Paula Gomes Freire.

Em termos de mercados de capitais, a advogada diz que “há uma tendência de financiamento através da emissão de obrigações, o que pode dinamizar o mercado nessa vertente”.

Continuamos a ver “um apetite muito grande” por Portugal, por parte de family offices e por muitas entidades estrangeiras que olham para o país como sendo seguro para o investimento.

Por sua vez, Cristina Casalinho, ex-presidente do IGCP, defendeu que a inflação tão baixa que tivémos nos últimos anos ameaçava ter um fim à vista, “por ser insustentável”.

A entrada da China e de grande parte do resto da Ásia durante a primeira década no mercado “deprimiu imenso os preços”, explica a economista.

Vinte anos depois, essa tendência de baixa de preços acabou, constatou Cristina Casalinho.

“Havia a ancoragem das expetativas da inflação que agora foram alteradas e os bancos centrais tiveram de reagir”, disse a ex-presidente da agência que gere a dívida pública. Cristina Casalinho lembrou que os bancos centrais estavam à espera de uma subida dos preços, mas não tão significativa.

A subida de preços não começa com a guerra, mas sim em 2021, lembra ainda a economista que destaca que a retoma da procura foi muito mais rápida do que a da oferta. Muitos acontecimentos inesperados que não estavam descontados no quadro das autoridades monetárias pressionaram a inflação, refere Cristina Casalinho que diz que os bancos centrais têm de correr contra o tempo, para conciliar os dois objetivos de política monetária.

António Mendonça, Bastonário da Ordem dos Economistas, defende que se deve introduzir elementos de certeza no quadro da incerteza. Farto da palava “incerteza”, o economista frisou que “estamos a viver períodos de mudança” a todos os níveis. Citando o painel anterior (entre Joaquim Miranda Sarmento e Eurico Brilhante Dias) onde se defendeu que se deve olhar o orçamento de forma pluri-anual, disse “nós também temos de ter essa prespetiva”.

António Mendonça chamou à atenção para o discurso da Presidente da Comissão Europeia sobre o “Estado da União”. A Comissão Europeia quer “renovação do mercado da energia” com uma “mudança de paradigma”. O economista destaca que Ursula von der Leyen defende a união fiscal da Europa, “o que tem sido um tema tabu”, disse.

“Em outubro, apresentaremos novas ideias para a nossa governação económica”, disse a líder da Comissão Europeia.

António Mendonça lembrou ainda que a presidente da CE chamou a atenção para a necessidade da re-industrialização da Europa.

Em suma, o economista que lidera a Ordem defende que, apesar da incerteza, os economistas devem “procurar elementos de certeza” neste “período de enormes mudanças”. Essas mudanças refletir-se-ão na economia europeia e nacional, continua, dadas as necessidades “de mudar profundamente o mercado de energia”, e “de caminhar para uma integração fiscal da Europa” ou “de re-industrialização”.

“Quer na Europa, quer em Portugal, a estratégia não tem existido. Por exemplo, a política monetária na Europa andou sempre atrás dos acontecimentos”, apontou, destacando a diferença com os EUA, onde o pragmatismo acelera a tomada de decisão.

Outra coisa que o presidente da Ordem dos Economistas chamou a atenção foi para a necessária articulação da política orçamental com a política monetária, “o que não tem sido feito”.

António Mendonça ironizou que Portugal deposite todas as soluções em Sines, “que é uma coisa que vem do passado [do Estado Novo], onde havia curiosamente  estratégia”, reconheceu. “Nós temos um PRR e não temos uma estrutura capaz de compatibilizar as diferentes coisas de modo a gerar processos âncora que deem quadros de certeza às empresas em termos de futuro”, disse o economista.

Falta de escala das empresas prejudica produtividade

Vítor Bento foi depois chamado a intervir, na sequência de uma dúvida levantada por Eduardo Catroga, que estava na plateia. “Falamos sempre das mesmas coisas, mas nada acontece”, começou por destacar. “Nós temos de facto um problema de baixa produtividade. Eu estou convencido que uma das razões para isso resulta da estrutura económica. Nós temos uma estrutura económica demasiado baseada em pequenas e micro empresas e que são responsáveis por parte substancial do emprego (as micro empresas são responsáveis por 40% do emprego)”, lembrou o economista.

O também presidente da APB disse que se “as empresas não têm escala não têm capacidade de originar processos de agilização e portanto dificilmente podem fazer subir a sua produtividade”. As microempresas contribuem pouco para o numerador da produtividade e muito para o denominador e acabam por ter um efeito de atraso.

Qual é o remédio para isto? “É aumentar a dimensão das empresas. O que implica criar condições para que as empresas grandes possam prevalecer e o que assistimos são políticas de hostilidade ao capital”, referiu Vítor Bento que deu o exemplo da política fiscal em que “as empresas quanto mais lucros têm maior é a taxa de imposto”, esquecendo-se, os fazedores de políticas, “que as empresas que têm mais lucros são as que têm mais capital empatado. A fiscalidade é feita, não em função da rentabilidade, mas em função dos lucros absolutos, pelo que na prática está a taxar-se o capital”, disse Vítor Bento.

É preciso criar condições que favoreçam a acumulação de capital, apelou o economista.

A falta de escala da empresas é também responsável pelos baixos salários em Portugal, concluiu.

Depois Paulo Macedo foi questionado sobre o impacto da crise na banca, nomeadamente no aumento do malparado. O presidente da CGD respondeu que o sistema financeiro é hoje mais resiliente, tal como a macroeconomia.

A própria banca vai ter melhores resultados este ano, lembrou.

O banqueiro voltou a falar da tributação especial de que é alvo a banca e da demonização que é feita sobre os lucros dos bancos, na sequência do que disse Vítor Bento.

“A banca este ano vai beneficiar do aumento da margem financeira (subida dos juros) e de menores provisões, depois o futuro vai depender do nível a que as taxas de juro vão estar”, disse o CEO da CGD.

“A médio e longo prazo a visão não é brilhante, disse Paulo Macedo que explicou que o price-to-book value dos bancos na Europa continua “à volta de metade”, o que significa que a visão dos investidores sobre as ações da banca não é optimista para o sector, mesmo com a subida das margens financeiras. O CEO da CGD concluiu admitindo que a consolidação bancária “é mais ou menos inevitável”.

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