O Governo apresentou ontem aos parceiros sociais o Livro Verde para o Futuro do Trabalho, onde avança propostas como a adoção de modelos híbridos de trabalho presencial e à distância, o teletrabalho sem acordo do empregador (em circunstâncias específicas), o alargamento da proteção social a todos os trabalhadores independentemente do vínculo, o direito a desligar e a criação de condições para atrair para Portugal os chamados “nómadas digitais”.

A pandemia acelerou a digitalização e mudou para sempre a forma como vivemos e trabalhamos, pelo que as propostas do Livro Verde vão no bom sentido. Porém, o diabo costuma estar nos detalhes e este caso não será exceção.

Um dos aspetos que saltam à vista nas propostas deste Livro Verde, para além de uma certa tendência para complicar e “burocratizar”, é a pouca relevância dada ao aumento da produtividade do trabalho em Portugal. De acordo com o Eurostat, os portugueses trabalham em média 39,5 horas por semana, mas continuamos a ter um dos piores índices de produtividade da Europa, ombreando com a Bulgária, a Roménia e a Croácia.

Em sentido inverso, países como a Irlanda e a Holanda, que são aqueles onde se trabalha menos horas por semana, conseguem ser também os mais produtivos da Europa. Na Irlanda, que até há poucas décadas era mais atrasada do que Portugal em vários domínios, as pessoas trabalham em média 36,5 horas por semana, menos três horas do que os portugueses. Mas a produtividade irlandesa é muito superior.

Este fosso entre países dever-se-á a várias razões, como os níveis de automatização, as qualificações das populações e os diferentes hábitos sociais e éticas de trabalho. No entanto, tendo em conta que os trabalhadores portugueses que vivem no Norte da Europa são tão produtivos como quaisquer outros, diria que os principais fatores que explicam o nosso défice de produtividade são a má organização e as fracas lideranças que existem em muitas entidades públicas e privadas.

Em termos genéricos, em Portugal trabalha-se mal, isto é, de forma pouco eficiente. Passa-se demasiado tempo no local de trabalho, fazem-se demasiadas reuniões, os períodos de almoço são longos e sucedem-se as pausas para cigarros e cafés. Em vez de tentar produzir o máximo em menos tempo, para poder sair do emprego mais cedo, muitos trabalhadores portugueses passam horas a mais no local de trabalho, porque é esse o incentivo que recebem das respetivas chefias.

Ora, se uma pessoa não consegue fazer as suas tarefas durante o período normal de trabalho, de forma constante, só pode ser por uma de duas razões: ou não é suficientemente competente (sendo que essa característica inclui saber fazer uma gestão eficiente do seu tempo); ou tem em mãos um volume de trabalho excessivo, seja por imposição da entidade empregadora, seja por vontade própria.

Tudo isto tem consequências negativas para a saúde das pessoas e para o conjunto da sociedade, por via do agravamento dos custos do SNS e do envelhecimento demográfico, dado que, na maioria dos casos, quem trabalha horas em excesso terá mais dificuldade em ter filhos. As próprias organizações também são prejudicadas, pois colaboradores sobrecarregados acabam por produzir menos. E torna-se muito mais difícil atrair e reter talento, o qual, na era do conhecimento, é um fator crítico de sucesso.

O teletrabalho como “novo normal” só faz sentido se for acompanhado de uma mudança na nossa forma de trabalhar, com vista a uma maior eficiência das nossas organizações. Se forem cometidos os erros que existem no trabalho presencial, o nosso problema de produtividade irá perpetuar-se ou mesmo agravar-se. A questão que se coloca é, pois, saber se o Livro Verde vai contribuir para que em Portugal se trabalhe de forma mais eficiente, que se traduz em mais produtividade e melhor qualidade de vida.