Há sensivelmente ano e meio ano, vimos subir ao palco das Conferências do Estoril quatro super juízes que encarnavam a luta do Bem contra o Mal: Sérgio Moro, Baltazar Garzon, António Di Pietro e Carlos Alexandre. Os quatro super juízes ou juízes estrela que aceitaram partilhar o palco dos salvadores da pátria, protagonistas da luta contra o crime financeiro e a corrupção.

Estávamos em maio de 2017. Baltazar Garzon continua impedido de ser juiz. Sérgio Moro aceitou ser ministro da Justiça de Bolsonaro depois de ter criado as condições políticas para que o reinado do PT chegasse ao fim. Se o PT foi trágico para o Brasil, é trágico que o rosto do seu carrasco lance a dúvida sobre a sua isenção na condução da maior operação judicial da História do Brasil.

Estamos na era dos fins que justificam os meios. A Justiça em modo reality show. Mas já não estamos no pico de popularidade dos super juízes. Esse estatuto messiânico converte-se a passos largos numa dúvida cartesiana. Quando o culto da personalidade dos protagonistas se sobrepõe aos processos, nem que seja na esfera da opinião pública, podemos mesmo continuar a depositar a nossa confiança nos órgãos da Justiça?

Uma das reflexões mais importantes de 2018, e que transita para o ano que acaba de começar, é justamente a que urge fazer sobre a Justiça.

Os mega processos judiciais tornados mediáticos tiveram o efeito perverso e nefasto de nos pôr a todos a pensar nesta possibilidade pérfida de que a Justiça se joga no tabuleiro da narrativa e da opinião pública e não na procura da verdade suportada nos factos.

O rastilho foi ateado quando começámos a ver detenções em direto, violações do segredo de Justiça que prejudicavam a imagem pública dos arguidos, entrevistas de juízes que faziam sugerir que a Justiça se tinha tornado num ringue onde, num canto tínhamos o acusador, no outro o arguido ou os seus advogados. E quem se colocasse contra o acusador, ainda que questionando o processo, estava a defender os poderosos. Estava do lado errado da Justiça, mesmo que até torcesse para que as teses da acusação fossem de tal maneira irrefutáveis por provas que levassem a condenações.

Diz-se que o tempo da Justiça não é o tempo da política, sugerindo que a Justiça é impermeável a pressões. Mas o que a mediatização da Justiça veio fazer, desta feita promovida por quem mais devia protegê-la da erosão, é pôr-nos a questionar se também para os atores da Justiça não há um tempo certo.

Nos últimos meses vimos lançada a dúvida sobre sorteios de mega processos por dois juízes de instrução. Assistimos a falhas que continuam por explicar no sistema informático que gere o sistema de Justiça. Assistimos a entrevistas de personalidade dos seus protagonistas. Quando abrem essa caixa de Pandora, descem, de facto, à condição de cidadão comum a quem é legítimo perguntar se o seu tempo é o da Justiça ou o do cidadão comum que se coloca à mercê da opinião pública volátil e, em tempos mediáticos, soberana porque dita perceções.

E se há domínio em que não pode haver perceções mas sim uma confiança inabalável é o domínio da Justiça. O debate começou no dia em que os juízes saíram dos tribunais e se sentaram à mesa com o povo.