Era uma vez um país à beira-mar do sul da Europa, que viveu em poucos anos um milagre económico. Em três anos terminou a austeridade, os rendimentos subiram e a qualidade de vida aumentou, assim como as expetativas das novas gerações no futuro.

Esta podia bem ser a narrativa política do Governo português num qualquer meio de comunicação. E até podia ser uma realidade mais concreta, tendo em conta a tremenda oportunidade que o ciclo de juros baixos criou para os países da periferia na Europa. Mas não é. Trata-se de uma das mais velhas artes da dialética política em que o atual executivo socialista se tornou mestre. Fazer de conta que há governo.

Desde o princípio do mandato que este executivo sui generis vive de duas grandes linhas de propaganda política. A primeira está assente na criação de uma grande coligação de esquerda que permitiu acabar com a austeridade, que é de direita. A segunda está assente na ideia de que o país está a viver um sucesso de crescimento económico, que compatibiliza reformas estruturais, com devolução de rendimentos, e com oportunidades para a afirmação de gerações futuras no país.

Uma narrativa política construída de forma hábil para ganhar o poder, silenciar a rua (com a extrema-esquerda amarrada e calada como nunca) e construir o mais descarado programa de populismo e eleitoralismo de que há memória em Portugal – e que em certas situações, como a do salário mínimo, acentua a divisão entre portugueses do privado e funcionários do Estado. Com este executivo socialista não há dúvidas: a agenda política atropelou sempre e sem hesitações a agenda do país.

As coisas são o que são e, na hora de votar, o dinheiro no bolso também vota. Mas este, na realidade, é o Governo da oportunidade perdida, que perdeu a oportunidade de retirar Portugal da linha de tiro de futuros choques sistémicos e de investir mais na sustentabilidade e capacidade futura do país de gerar, por si, crescimento e emprego. Para isso era necessário manter o curso reformista e aproveitar um ciclo extraordinariamente benigno de taxas de juro baixas e de estímulos do Banco Central Europeu, que esta semana terminaram.

Na verdade, todas as supostas conquistas deste Governo vivem de injeções de ilusão. Faz de conta que acabou a austeridade, mas a carga fiscal é a mais elevada dos últimos 50 anos. Faz de conta que há um milagre orçamental, mas o défice vive do aumento de impostos indirectos e de cativações no sistema de saúde e educação, de taxas de juro baixas, e de reduções drásticas do investimento público.

Faz de conta que Portugal está na moda, mas o sucesso do turismo apenas esconde as fragilidades numa série de setores empresariais num país que continua sem estratégia para a captação de grandes investimentos. Faz ainda de conta que há diálogo social, quando enfermeiros e médicos lutam nas ruas, e os portos estão permanentemente encerrados.

Faz de conta que a dívida pública e das famílias estão controladas, quando existe uma bomba-relógio chamada política monetária e ciclo de subida de taxas de juro. Faz de conta que há uma maioria de esquerda mas que não serve uma agenda de reformas, ou outra agenda que não seja a simplesmente política e de manutenção do poder.

Por tudo isto façamos de conta que há um governo que venceu eleições e que foi legitimado para manter o país parado durante quatro anos.

 

Este artigo foi escrito na qualidade de membro do conselho de administração do Instituto Francisco Sá Carneiro.