Melhor Cidade Destino da Europa 2018, palco da final da Champions League 2014 e do Festival Europeu da Canção de 2018, anfitriã da Web Summit desde 2016 e, desde ontem, escolhida para receber as Jornadas Mundiais da Juventude de 2022 – Lisboa está na moda.

É uma cidade profundamente diferente da que se vivia há dez anos atrás, com todos os badalados problemas associados ao seu crescimento turístico e projecção além-fronteiras, mas também com avanços inegáveis que trouxeram a cidade para o século XXI.

Como uma boa parte dos da minha geração, assisti a esta revolução de forma intermitente, visto que não vivo a tempo inteiro na capital há uns anos. Tendo passado parte deste tempo na Holanda, onde tive o privilégio de fazer a minha vida diária à base de uma bicicleta, foi com enorme gosto e sensação de progresso que constatei, visita após visita, um maior número de ciclistas na estrada a contribuírem para uma mobilidade mais eficiente e ambientalmente responsável.

Também o aparecimento de sistemas de partilha de scooters eléctricas e a anunciada criação de ciclovias em zonas brutalmente congestionadas da cidade faziam adivinhar uma revolução na forma de deslocação em Lisboa, uma metrópole em que a questão da mobilidade está atada por factores praticamente incontornáveis – urbanismo arcaico nas zonas históricas, com ruas estreitas e desorganizadas, um relevo acidentado que dificulta a não-utilização de transportes com motor, e falta de verbas para o investimento realmente necessário, que englobaria grandes obras como a expansão do Metro.

Mas se, à primeira vista, a situação parece progredir no sentido devido, é preciso não nos esquecermos de algo: estamos em Portugal (e raramente se pensa a fundo nos problemas e nas suas soluções neste país).

Basta olhar para a fantástica obra da engenharia e planeamento urbanístico que o executivo de Fernando Medina levou a cabo na Av. da República: ciclovias desenhadas para constituírem uma alternativa válida ao transporte rodoviário e, por isso, obrigatoriamente capazes de escoar o tráfego criado por milhares de pessoas em hora de ponta, mas com 4m de largura, onde não podem passar sequer quatro bicicletas alinhadas, sob risco de causar um acidente em que alguém acabará com os dentes partidos; melhor, desta estreita ciclovia são suprimidos 2/3 porque – imagine-se! – foram colocadas três paragens de autocarro na ciclovia. Fantástico. Para uma fractura facial não imagino melhor.

E esta das paragens no meio da ciclovia é voluntário, certamente, porque volta a suceder em Telheiras, com a peculiaridade de, em vez de ser suprimida mais de metade da ciclovia, esta deixa mesmo de existir – é suposto o ciclista prosseguir pelo passeio, num corredor de não mais de 3m de largura, onde passam também peões (e perto de várias escolas, o que implica peões mais vulneráveis). Realmente, parece-me um excelente prenúncio para uma melhor relação entre transeuntes e ciclistas.

A lista de parvoíces continua: há o BTT súbito causado pelas raízes das árvores do Campo Grande, as rampas entre a ciclovia e a estrada que mais parecem um lancil normal (nas bicicletas eléctricas da EMEL, o impacto da roda da frente na estrada é tão grande que o sistema de motor se desliga por uns segundos), as curvas e contracurvas desnecessárias ao longo dos vários percursos ou a falta de indicações que nos coloca a dúvida se a ciclovia deixou de existir a meio de Carnide ou da Cidade Universitária.

Não vivo na ilusão de transformar Portugal numa nova Holanda, com mais bicicletas do que pessoas e onde mais de um terço da população lista as duas rodas como o seu principal meio de transporte. Não me parece que se vá optimizar os sistemas de semáforos, de forma a que as bicicletas possam arrancar sempre uns segundos antes dos carros ou as luzes só funcionem mediante a aproximação de algum veículo, isto nas horas de pouco trânsito.

Não estou à espera que os portugueses se apercebam que é muito mais fácil um peão imobilizar a sua marcha do que uma bicicleta e, portanto, estas não tenham de parar nas passadeiras. Questões culturais e, sobretudo, o sobe-e-desce constante das duas maiores cidades lusas não permitem uma massificação da bicicleta. Mas ciclovias mal feitas também não ajudarão; aliás, juntando a isto um certo descuidado na estrada (de ciclistas e condutores), o provável é que haja um qualquer acidente evitável que, por ter constituído uma tragédia, criará ainda maior relutância nos lisboetas em abraçar o ciclismo como novo meio de transporte.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.