É curioso que em português se diga férias em vez de, como em muitas línguas europeias, se aludir a dias vazios – vacaciones/vacances/vacation. A palavra “férias” remete, pelo contrário, para os dias de festa e de feira, de mercado, não no sentido pobre e solitário que associamos à tendência de tudo fazer mercadoria, mas de um lugar de trocas e encontro, atravessado por um motivo para conviver e passar tempo.
Ironicamente, a mercadorização prescindiu da ideia de um lugar assim, razão para que se faça a sua crítica começando por valorizar exactamente a ideia de mercado. Felizmente, cada vez mais mercados e mercadinhos vão ressurgindo, alguns até com moeda criada para o efeito, ou praticando a simples troca directa, a convidar ao convívio e a um calendário rico de feiras.
Dizia que vem daqui a ideia de férias, ou das holidays no inglês britânico. Férias de mercados e mercadinhos é uma redundância plena de sentido. Aliás, bastante diferente da Workcation, tendência pós-covid que leva empresas tecnológicas a permitirem aos seus trabalhadores trabalharem a partir de locais de férias, apenas comprometidos com metas indicadas num cronograma.
Contrasta o enraizamento e a relação concreta da primeira tendência com a abstracção desenraizada da segunda. O que uns trocam em comparência plena, os outros fazem-no por transferência de contas longínquas, ali, mas quase ausentes, de passagem, mesmo quando vão ficando. Nómadas digitais de laptop ao colo nas esplanadas de Veneza, Málaga, Lisboa conseguem aproximar trabalho e lazer como se resolvessem a quadratura do círculo, beneficiando de uma multidão à volta de salários magros que têm de fazer férias em casa. Não é bom escolher ser nómada numa terra de sedentários forçados.
E porque precisamos de férias? Há um sentido importante em fazer férias que não faz as contas dos custos e dos benefícios, e que não é apenas recuperar o fôlego, como quem responde a uma necessidade, de dormir ou comer. As férias servem para abrir espaço entre nós e as exigências do real. Nesse intervalo pensamos na vida, propiciam-se balanços suaves, que se fazem sentindo e não por cálculo.
É distender um intervalo, como no trabalho, quando à janela do escritório, ou à porta da fábrica, um cigarro pensativo se demora, e nem que seja por um minuto ressentimos a vida e nos sentimos parte do mundo, como uma memória íntima a que há que voltar. Fumar já não é uma possibilidade, faz demasiado mal à saúde, mas é de notar que cumpria mais este intervalo do que o higiénico substituto que é, nos nossos dias, o scrolling imparável dos smartphones.
As férias precisam de tempo. É preciso o corpo desabituar-se da vida de labuta. E mais ainda o corpo que trazemos dentro das nossas cabeças. Leva tempo libertar as costas dos hábitos curvados, o olhar da tensão das exigências e o pensamento da ginástica mental que o mantém firme ao serviço da produção.
E os hábitos da vida de férias enraizarem de novo também leva tempo. Estar mais com o seu próprio corpo, o espaço e o tempo que o acolhem, estar com as paisagens, viajar, a companhia, o mundo à volta mais rico do que a impressão de escassez que nos incita à sofreguidão. O que há de mais profundo no estar é sentir o intervalo para com as exigências.