Os jogos com a Croácia (1-1, particular) e Itália (1-0, Taça das Nações) mostraram como Fernando Santos é um homem atento à realidade do futebol português e tão próximo dos jogadores quanto capaz de ser frio e racional nas suas opções.
Veja-se a questão por este ângulo: dois anos depois da conquista do título Europeu, em França, a seleção nacional entrou em campo apenas com três titulares desse tempo (Patrício, Pepe e William). E, mesmo assim, ganhou à Itália, um dos grandes do mundo por muito que esteja a atravessar um momento de renovação depois da traumática eliminação do Mundial da Rússia.
Nesta equipa, obviamente, voltará a estar Cristiano Ronaldo. Mas é natural que homens como Quaresma, Moutinho, Nani, Bruno Alves, Manuel Fernandes, até talvez José Fonte, que serviram a seleção de forma extraordinária (como Éder), comecem já a dar o lugar a quem, daqui por dois anos, com certeza estará melhor e será mais capaz. É a lei da biologia a funcionar. E a competição está a ser tão dura que mesmo André Gomes, João Mário, Adrian, Rafa e outros vão ter de se acautelar. Há Danilo quase a regressar. Sérgio Oliveira também é opção. E depois existe um enxame de novos valores que começa em Gedson e Ronnie Lopes e acaba em João Félix e Trincão, sem esquecer que a qualquer momento, um pouco por todo o lado do campo, podem bater à porta Diogo Dalot, Rafael Leão, Jovane Cabral… E há mais!
Provavelmente, nunca o futebol em Portugal ofereceu tantas opções a um selecionador. Em todas as posições há vários atletas à espera de uma oportunidade.
Tomo por exemplo a posição de defesa-central, durante algum tempo apontada como um deserto por críticos cheios de pressa. Ora aí está Rúben Dias, um defesa na linha dos grandes do futebol nacional. E há Pedro Mendes como pode haver Rúben Vezzo ou a recuperação de Rúben Semedo, outro futebolista de quem era lícito esperar que chegasse à seleção nacional. Até aquilo que fez José Fonte, com a carreira avançada, pode ser seguido por Ricardo Ferreira, André Pinto, Paulo Oliveira ou Tiago Ilori, sem esquecer que ainda há Edgar Ié, Domingos Duarte, Tobias Figueiredo e a revelação do FC Porto, Diogo Leite. Ao lado de Pepe, e com Luis Neto a fazer valer a sua experiência em alta competição, o futuro vai trazer muita competitividade. Rúben Dias não engana. É um duro, na linha de Fernando Couto e Jorge Costa. E dos outros candidatos virá com certeza a emergir a qualidade necessária à equipa, até porque os centrais, como os guarda-redes, normalmente precisam de mais tempo para encontrarem o seu lugar.
Quanto ao resto, estes dois jogos trouxeram finalmente Rúben Neves, um “6” de alto nível mundial, no qual já terá reparado o City de Guardiola. Fernando Santos aproveitou esse momento para explicar porque, segundo ele, William Carvalho nunca jogou a “6” na seleção a não ser episodicamente. Sempre teve razão. E, na verdade, William, mais adiantado, fazendo valer o poder físico e a capacidade atlética, pode ser preponderante no meio-campo nacional. O triângulo medular é a válvula de segurança de um 4x3x3 aberto a atacar (4x5x1 a defender) que parece ter garantido Bruma (amadureceu, de facto) para competir abertamente com Gonçalo Guedes à esquerda, algo que estará mais difícil para Gélson Martins face ao talento de Bernardo Silva.
Quando Cristiano Ronaldo voltar, a equipa pode jogar neste sistema ou adaptar-se ao 4x4x2 mais do agrado do capitão. A certeza está em que André Silva é o ponta-de-lança que o futebol português não tem desde Pauleta. E, atendendo à idade e aos números, o atual “9” português pode ir ainda mais longe.
Outros destaques desta dupla jornada:
1 Mário Rui tem vindo a serenar. É um jogador fiável na posição mais carecida do futebol português. Mas é preciso lembrar (face aos sucessivos problemas físicos de Raphael Guerreiro) que tanto Dalot como Ricardo Pereira, ou mesmo Nélson Semedo, podem jogar em qualquer das alas.
2 Pizzi tem, obviamente, valor para competir com Bruno Fernandes na posição de médio que rompe linhas. Desta vez foi ele o preferido e cumpriu.
3 Renato Sanches voltou com a vontade e força transportadora que o caracterizou no ano de 2016. É uma excelente notícia (e Fernando Santos, com a sua sabedoria, técnica e humana, deu um contributo para a recuperação do jogador).
4 João Cancelo tem tudo para se estabelecer na faixa lateral direita por algum tempo, apesar da tenacidade de Cédric. Provavelmente, e isto é apenas uma opinião, só Diogo Dalot (se conseguir romper no Manchester United) poderá competir em potencial com a intensidade do jogador da Juventus.
O futebol em Portugal fica, pois, com uma certeza: há valor para a equipa se manter competitiva a nível mundial mesmo sem Cristiano Ronaldo. Não será, com certeza, até 2020. Felizmente. O capitão ainda tem muito para dar em rendimento e liderança. Mas quando a hora chegar a FPF tem um treinador que não teme nem treme. E vai ter cada vez mais opções, fruto do trabalho federativo nos escalões jovens realizado por cima do labor das três principais academias, de Sporting, Benfica e FC Porto. Boas notícias.