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Filipe Froes: “Todos vamos ter de usar máscara”

O médico pneumomologista e intensivista diz que ainda é cedo para abrir escolas e aliviar medidas e defende a realização de mais testes no país e alerta que há muitas perguntas por responder sobre a imunização.
9 Abril 2020, 12h00

Filipe Froes é um médico pneumomologista e intensivista. É coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem sido um dos especialistas que mais tem ajudado os portugueses a perceber esta pandemia.

As escolas devem permanecer fechadas?

Todos os cenários devem ser equacionados com base na evolução epidemiológica nos próximos dias em Portugal. Neste momento, os dados ainda são pouco consistentes para fundamentar decisões tão importantes. Uma decisão demasiado precoce pode condicionar o agravamento da situação e gerar a necessidade de as voltar a fechar.

Ainda não chegou o momento de as reabrir?

É muito cedo. Embora eu perceba que seja urgente tomar essa decisão, esta não pode ser vista como uma diminuição das medidas neste momento.

Tem havido uma diminuição do ritmo de novos casos. É bom sinal?

Esses dados são positivos, mas não têm a sustentabilidade mínima necessária para fundamentar decisões tão impactantes.

Tem havido uma grande polémica sobre as máscaras.

A Direção-Geral da Saúde (DGS)_ainda não fez nenhuma recomendação para o seu uso generalizado, argumentando que segue as indicações da Organização Mundial de Saúde, enquanto o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas já veio a público defender o uso generalizado. Devemos ou não usar máscara?

Se forem corretamente utilizadas, as máscaras são eficazes, mas não devem substituir nenhuma das outras medidas. É importante ponderar rapidamente o uso generalizado das máscaras em espaços públicos, em que o distanciamento social não seja fácil de implementar. A questão já não é discutir se vamos usar ou não máscara, mas sim quando todos vamos ter de usar. A máscara tem uma dupla vantagem: evita a propagação e protege quem a usa.

Sobre a imunização, depois de um paciente ser contagiado e recuperar fica imunizado permanentemente?

Essa é uma questão muito pertinente e da maior atualidade, e que precisa de ser melhor caracterizada e validada por estudos que estão a decorrer neste momento. Qualquer opinião nesta fase será prematura. Sabemos que ficam imunes, não sabemos ainda é o que significa isso em termos de capacidade de risco de infeção. Era bom que esses testes permitissem esclarecer muitas dúvidas sobre o grau de proteção de quem é que está imune. São precisos alguns estudos para validar essas respostas.

É real a probabilidade de uma segunda vaga nos meses de inverno?

É um cenário possível. Todos temos de nos preparar para uma possível segunda vaga. Com a vantagem de quanto mais tardia for a segunda vaga, mais tempo teremos para nos preparar e, provavelmente, mais próximos estaremos da possível vacina, que será a resposta mais importante em termos de controlo desta ameaça.

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, disse que o pico da pandemia não deverá ocorrer antes de maio. Faz sentido esta previsão?

Neste momento, é extremamente complicado fazer uma previsão correta sobre a ocorrência do pico da pandemia. Estamos a correr uma maratona, com a particularidade de não sabermos em que quilómetro vamos e quantas voltas faltam para o final. Mas uma coisa é certa: se todos cumprirmos a nossa parte, o impacto será menor e provavelmente a recuperação será mais rápida. Nesta maratona todos temos de dar o litro a aplicar as medidas. Interromper aquilo que fizemos a meio da maratona significa desperdiçar tudo o que conseguimos até aqui e entrarmos em exaustão mais cedo.

O Estado de Emergência foi renovado até 17 de abril. Foi uma boa decisão?

Era desejável e quase obrigatório que tivéssemos a capacidade de rentabilizar o período inicial de emergência, com o seu prolongamento. Para beneficiarmos de todas as vantagens dos primeiros 15 dias era necessário prolongá-lo neste contexto epidemiológico. Correríamos o risco de não tirar proveito destes 15 dias de grande sacrifício se não o tivéssemos feito. Foi uma decisão da maior sensatez.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava preparado para esta pandemia?

Nenhum Serviço Nacional de Saúde está preparado para uma situação destas. É evidente que nos últimos anos, ao enfraquecermos o SNS, também fragilizámos a nossa resposta. Mas o esforço dos profissionais de saúde ultrapassou as expetativas e engrandece a capacidade de resposta do país. Mais importante que levantar as críticas ao estado do SNS, é percebermos que neste momento somos todos parte da solução. Quando sairmos desta situação, temos de valorizar de outra maneira a importância de um SNS forte e diferenciado no futuro da nossa sociedade.

É preciso realizar mais testes à população?

Neste momento fala-se de dois testes, o da PCR e os testes rápidos, e é preciso distingui-los. Os mais importantes na fase aguda são os testes PCR, que demoram algumas horas a dar resultado, e têm sido tão utilizados que a procura excedeu a capacidade de resposta. Depois fala-se nos testes rápidos, que demoram poucos minutos, mas que avaliam a doença numa fase mais tardia, pelo que a sua utilidade de fazer um diagnóstico agudo é muito reduzida. O ideal é fazermos o maior número possível de testes PCR para identificar os doentes e para haver uma maior capacidade de os vigiar, para evitar que criem cadeias de transmissão na comunidade. Temos de adaptar a nossa capacidade de resposta laboratorial às nossas necessidades.

Como avalia a atuação da DGS? Também houve a polémica no Porto, em que a autarquia disse que deixou de reconhecer a sua autoridade…

Temos de privilegiar o que nos une em detrimento do que nos separa. Perante uma ameaça global, temos que estar unidos a cerrar fileiras para darmos uma resposta em que o todo seja superior à soma das partes. O que nos une é muito superior do que aquilo que nos divide.

Comparando as situações extremas vividas em Espanha e Itália, este cenário pode

vir a acontecer em Portugal?

Olho com a maior das atenções porque os cenários dos outros países que estão numa fase mais avançada de doença servem-nos sempre como  aviso para todos nós, se não soubermos adotar as medidas mais adequadas.

No início da pandemia houve quem a comparasse a uma gripe normal…

Todas as pessoas já perceberam que isto não é uma gripe normal. As pessoas já aceitaram que há diferenças muito grandes em termos de taxa de transmissão, complicações e mortalidade. Essa imagem já não é adequada.

Existe a possibilidade de os casos diminuírem com a chegada do calor?

Numa perspetiva de estratégia, essa possibilidade não pode ter qualquer impacto nas medidas tomadas e a tomar. Se isso acontecer, como eventualmente poderá acontecer, ainda bem; em termos de mudança de estratégia não tem significado nenhum.

Entrevista publicada no Jornal Económico de 09-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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