A tática da repetição é clássica no marketing, quer estejamos a falar de propaganda comercial, política ou outra. Está de resto contemplada na Lei da Orquestração, uma das cinco leis de propaganda política enunciadas por Jean-Marie Domenach em 1950, após estudo e análise da propaganda leninista e hitleriana. O método é a repetição de uma mesma ideia por parte de uma multiplicidade de agentes, apresentada de forma diversa conforme o alvo.
A esquerda e o partido socialista, em particular, são exímios neste domínio. Em António Costa encontraram, possivelmente, o seu maior intérprete. Já por parte do centro-direita e da direita há um certo constrangimento em repetir e sublinhar posições. Mesmo quando estão certas. Uma espécie de autodefesa para que não lhe caia a opinião pública, e publicada, em cima.
Vem isto a propósito da descida da TSU para as empresas, como forma de compensar o aumento do salário mínimo, como pretende o actual Governo. Muito já foi dito, mas há ainda imenso por dizer. E debater. Até porque a fuga ao debate parece ser o que pretende o PS. Ou o Governo de Costa. Ou como queiramos designar aquela coisa que nos governa. Costa parece querer tornar uma inevitabilidade a aprovação de todas as propostas do Governo. Para as situações mais simpáticas, como o aumento do salário mínimo, tem a muleta do acordo parlamentar à esquerda, descrita por Costa como “estável e duradoura”, com PCP e BE sempre prontos para o aumento da despesa corrente, desprezando os impactos, custos e implicações que tais medidas têm numa economia pequena, complexa e profundamente integrada internacionalmente. Para as medidas menos simpáticas, como a diminuição da TSU ou a concretização de políticas por forma a cumprir com compromissos europeus, o Governo entende que deve ser o PSD, por uma questão de responsabilidade institucional, a deitar-lhe a mão. Já nem vou recordar a infeliz frase de Costa quando alegou que não havia “pedido a mão ao PSD”.
António Costa recusou aprovar o Programa de Governo da coligação vencedora das eleições de Outubro de 2015 antes mesmo de o conhecer. Referiu que não serviria de muleta de um projeto governativo que não apoiava. Agora, e sempre que lhe dá jeito, tenta encontrar nos partidos que partilham uma posição de integração no mosaico Europeu e Ocidental e no sistema liberal-capitalista, o que lhe falta nos, afinal, frágeis acordos de governação à esquerda. Como que tornando inevitáveis, como acima referi, toda e qualquer proposta do PS.
Costa anseia, talvez embriagado pelos elogios à sua capacidade política, tornar o seu PS numa espécie de partido balança, partido charneira, ou mesmo o partido equidistante almejado em tempos pelo CDS. Qualquer das suas propostas seria sempre aprovada, ora à esquerda, pela negociação com os seus agora parceiros naturais, ora à direita por via de pressão bruta no espaço público. Aqui entra a referida lei da orquestração, com uma série de agentes a repetir em espaços diferentes e de forma diversa uma mesma ideia, mesmo que totalmente descabida.
O objectivo é convencer os cidadãos de que algo, mesmo que aparentemente absurdo, faz sentido, pelo simples facto de que “todos os outros concordam com isso”. No caso, que o PSD ajudasse o PS a chumbar uma proposta de lei de um seu parceiro de maioria que, na prática, anulará o decreto-lei do Governo que desce a TSU. Estaríamos então perante uma espécie de momento final da democracia, de ponto de partida e de chegada de um círculo virtuoso, a normalização da política, a terraplanagem ideológica. O “Fim da História” de Fukuyama, mas ao contrário.
Isso não vai acontecer!
A Subsecretária-geral do PS, tentando almejar esse desiderato, apelou ao respeito pela Concertação Social. E o que faz o Governo, o primeiro-ministro e o próprio PS senão desrespeitar e diminuir essa mesma concertação social quando assina acordos que sabe não terem apoio político-parlamentar?
E quando a mesma Ana Catarina Mendes acusa o PSD de desrespeito pelos parceiros sociais e pela concertação, não estará a estender essas mesmas acusações aos seus parceiros de coligação? Não servirá a carapuça especialmente a estes, uma vez que o PCP “detém” (se preferirem retirem as aspas) uma central sindical e o BE apanha boleia nas manifestações da Avenida da Liberdade?
E nunca é demais lembrar que o PS e o próprio Costa foram contra a redução da TSU quando proposta pelo anterior governo.
Esta versão da baixa da contribuição das empresas para a segurança social tem a particularidade de prosseguir todo um estilo de trapalhada em termos de medidas macroeconómicas. O Governo sobe o salário mínimo nacional, com o pretexto da justiça social e de que esta era uma medida que iria aquecer a economia, provocando um aumento do emprego. Com a agravante de que o Governo não só paga os encargos com o aumento do salário mínimo dos funcionário públicos por via dos impostos, como acaba por “pagar” esse aumento aos privados com esta polémica solução, originando uma pioneira “dupla tutela salarial” no sector privado. Estranho é que os patrões alinhem nesta “geringonçada”.
Tão ou mais grave é o facto da descida da TSU constituir-se como confissão por parte do próprio Governo, e do partido socialista, de que são eles próprios a não acreditar nesse milagre da “multiplicação dos pães via salário mínimo”. Recorde-se que o Governo e os seus parceiros de coligação parlamentar argumentavam que o aumento do rendimento das famílias iria promover o consumo e, com isso, a economia, provocando uma maior rentabilidade nas empresas e ajudando-as a suportar os encargos com o aumento dos salários.
Esta medida é uma auto-confissão de que nem eles acreditam nisso! A história continuará.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.