O Banco Central Europeu (BCE) conseguiu, por fim, deixar a era Draghi, mas Draghi não deixa o BCE. Ao subir os juros em 0,5%, o BCE colocou um ponto final no que foi o maior erro na história – juros negativos.
Durante onze anos, o BCE manteve juros nulos ou negativos numa tentativa de salvar a zona euro. Esta viragem a 180 graus, naquela que foi a maior subida de juros em 22 anos, ocorre quando temos uma tempestade política a assolar Itália, país com uma dívida de 150% do PIB e que reaviva os receios de sobrevivência do euro. Draghi volta a condicionar a ação do BCE, mas desta vez como dirigente de uma nação.
A Itália, a braços com uma economia estagnada, está agora mais dependente da confiança dos seus credores para a sua sobrevivência. Os políticos italianos sabem disso, mas a resistência a reformas ao longo das últimas décadas culmina num cenário potencialmente catastrófico, não só para Itália como para a zona euro.
Aliás, a paridade atingida pelo euro contra o dólar americano é um reflexo não apenas do diferencial dos juros, favorável ao dólar, mas também do impacto do risco de fragmentação da zona euro e da possibilidade de termos uma Europa a duas velocidades.
O aumento do diferencial das taxas de juros entre países periféricos, mais endividados, e a Alemanha, foi o gatilho para o novo mecanismo de intervenção do BCE, denominado de TPI – Transmission Protection Instrument, que não é mais do que a continuação das intervenções do BCE no mercado e o financiamento às economias, mas sob outra roupagem.
Apesar de referir que existem critérios de elegibilidade para este programa, como finanças sólidas, não apresentar desequilíbrios, sabemos que o objectivo, tal como Draghi há onze anos, será fazer tudo para salvar o euro, comprando tempo. Esta compra de tempo vem com um custo para todos os europeus – a desvalorização do euro, que só na última década caiu mais de 20% face ao dólar americano.
Esta subida de juros em 0,5%, maior do que a expectativa, ocorre após a divulgação de dados da inflação preocupantes e que antecedem a entrada no último trimestre do ano, que é marcado pelas negociações salariais para 2023. Estas negociações serão muito complicadas para todos os países e empresas da zona euro, uma vez que os trabalhadores se vêem confrontados com uma descida acentuada do seu poder de compra, sem qualquer perspectiva de recuperação.
Por um lado a inflação generalizada, cerca de 8,6% na zona euro, desvaloriza o poder de compra e, por outro, o aumento dos custos com os créditos tornará impossível a muitas famílias o cumprimento das suas obrigações. A Euribor a três meses para dezembro de 2023 aponta para valores próximos de 1,7%, ou seja muito acima das taxas atuais.
É, assim, expectável que em todas as reuniões até final de 2022, o BCE suba as taxas de juro, numa tentativa de equilíbrio entre conter a inflação e evitar uma recessão profunda.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.