É verdade. Não se trata apenas de um título enganador, destinado a despertar a curiosidade dos leitores mais incautos.

É isso mesmo que vai acontecer, caso siga em frente a mais recente iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, já em discussão na Assembleia da República, que pretende consagrar uma novíssima liberdade fundamental, denominada direito à livre autodeterminação de género.

Isto requer uma explicação adicional, porque é realmente muito à frente. Com efeito, trata-se de atribuir a todas e cada uma das pessoas o direito a escolherem com inteira liberdade o género – masculino ou feminino – com o qual se sentem intimamente mais identificados. Não se trata necessariamente de mudar de “sexo” ─ que, com raríssimas exceções, é determinado à nascença pela biologia de cada um, com óbvios sinais anatómicos. Trata-se tão-só de mudar de “género” ─ que é um conceito situado no domínio da cultura e que, portanto, não está inevitavelmente associado a um e um só sexo. A única consequência que pretende extrair-se deste “sentir-se de um género diferente do sexo com que se nasceu” é, pois, nos termos do dito projeto legislativo, o direito à mudança do nome próprio. Onde havia um António, passamos a ter uma Rita. Onde antes estava uma Manuela, pode emergir um Carlos.

O nome inscrito no registo civil muda, mas a fisiologia pode permanecer absolutamente intocada. Daí que, por exemplo, nada impeça que uma pessoa do género masculino ─ ou seja, um homem ─ continue a ser do sexo feminino ─ isto é, uma fêmea ─ e possa nessa sua condição engravidar e dar à luz.

Esta proposta do BE é um sinal evidente de esgotamento de causas fraturantes, pelo que, à falta de outras ideias melhores, se avança para um novo patamar de causas delirantes. Sim, porque só por delírio se pode pensar que é possível desligar por completo, naquilo que é o mistério da pessoa humana, o que é natureza e o que é cultura.

Mas o mais extraordinário é a leviandade com que é tratado juridicamente um problema que, apesar de afetar uma pequena minoria de pessoas, não deixa de ser um problema sério, potenciador de situações de discriminação e por certo causador de sofrimento.

No projeto que está em discussão, propõe-se que a mudança de género possa ser requerida por qualquer pessoa, maior de 16 anos, e decidida por um simples funcionário público: o conservador do registo civil. A mudança do género e nome da pessoa não está condicionada por qualquer processo de aconselhamento prévio e de acompanhamento médico ou psicológico, nem por qualquer avaliação dos pedidos por uma comissão de ética. Tão-pouco se pensou em fixar um período de reflexão ou em atribuir a competência para decidir a um juiz. Não há qualquer limite quanto ao número de vezes em que a mesma pessoa pode mudar de género, nem sequer um período mínimo de fidelização ao género que entretanto se fez registar.

Por outro lado, entre os 16 e os 18 anos, a posição dos pais do menor é absolutamente irrelevante. Assim como salta aos olhos a incongruência de fixar a idade de 16 anos para atribuir aos menores capacidade jurídica para mudar de género, dado o contraste flagrante com o regime do direito de sufrágio, do direito a contrair casamento, ou de outras liberdades elementares (relativas ao consumo de produtos nocivos, como o álcool ou o tabaco).

A esta total ausência de parâmetros substantivos, procedimentais ou temporais, soma-se, por último, o alargamento deste direito de escolha de género a menores de 16 anos, com consentimento prestado pelos pais ou, na falta deste, através de uma decisão judicial que o substitua. E, subitamente, é toda a sucessão de absurdos jurídicos propostos pelo BE que passa a ter uma explicação clara.

O objetivo nunca foi eliminar discriminações, acolher a diferença ou aliviar o sofrimento de pessoas concretas. O objetivo sempre foi o de criar conflito, colocando filhos contra pais, transformar as minorias em vítimas e as maiorias em carrascos, para alimentar a revolta daquelas. O propósito de fundo é o de fender o tecido social, para criar um estado de guerra de todos contra todos, abrindo caminho para projetos de engenharia social que desconsideram a condição humana.