No último par de anos tem-se assistido à chegada de várias fintechs ao nosso país. Independentemente de possuírem ou não uma presença física em território nacional, os processos de contratação de serviços são realizados por via online e de uma forma fácil, recorrendo a processos digitais e, sempre que possível, automatizados.

O ADN destas empresas é a tecnologia e elevada rapidez de desenvolvimento de novas soluções inovadoras, e têm vindo por isso a criar desequilíbrios e nova pressão à banca tradicional, que se vê obrigada a lutar contra o seu próprio legado e a procurar novas fontes de receita para competir com estas fintechs e neobanks.

A resposta da banca à agilidade e inovação destes novos players de mercado centra-se muitas vezes no preço – uma solução fácil e de curto prazo, mas que apenas contribui para o aumento de dificuldades. Desta forma a banca tem procurado aumentar os seus proveitos por via do incremento de comissões, dada a baixa remuneração das carteiras de crédito.

Na área dos pagamentos em Portugal assiste-se a um monopólio evidente da banca que, dada a sua elevada dependência num único fornecedor, tem sentido dificuldades em acompanhar a evolução tecnológica que os novos players estão a trazer. Por outro lado, existe igualmente pressão do lado da Regulação Europeia, que está a promover cada vez mais a interoperabilidade de sistemas de pagamentos no espaço SEPA, dificultando a utilização de artificialidades à livre concorrência em todo o espaço europeu.

A Autoridade da Concorrência tem vindo também a público alertar para o facto de continuarem a existir no nosso mercado especificidades que trazem dificuldades também à livre concorrência e interoperabilidade em alguns serviços de pagamentos, e que tornam o nosso país altamente discriminador para empresas ou indivíduos no seio do espaço europeu.

Vejamos alguns exemplos: uma empresa com sede em Portugal poderá optar por não ter uma conta bancária em território nacional. No entanto, para poder fazer pagamentos de impostos à Autoridade Tributária, apenas os bancos nacionais oferecem o serviço de “referência de pagamento ao Estado”.

Outro exemplo é o de um cidadão europeu que venha trabalhar a partir de Portugal (ou para uma empresa nacional) e que tenha conta bancária noutro estado membro. Se arrendar uma casa e assumir os gastos de eletricidade e água e não aderir ao débito direto, é forçado a abrir uma conta bancária num banco do sistema, para poder “pagar serviços”. São exemplos caricatos, mas que infelizmente são bastante comuns, dada a crescente mobilidade de pessoas e empresas no espaço europeu.

Tal como em qualquer outro mercado, os early adopters (tanto no segmento empresarial como individual) têm recebido bem e contratado estas ofertas das fintechs, normalmente mais competitivas. No campo da competitividade da oferta inclui-se não só um custo mais baixo para o cliente, mas também outras componentes de serviço que geram valor para os clientes, como a facilidade de utilização, conveniência, integrações simples, ou mesmo novos serviços que os incumbentes não conseguem disponibilizar.

Sobretudo no segmento empresarial, muitas destas novas soluções vêm permitir agilizar processos por via da possibilidade da digitalização e automatização de processos, ou até mesmo o acesso a tecnologia que permite a internacionalização de empresas nacionais. Em suma, estas novas soluções vêm permitir aumentar a competitividade do próprio tecido empresarial português. Todos os entraves que possam existir no mercado ao livre acesso a serviços específicos de pagamento no nosso país estão a criar barreiras à inovação e ao acesso a tecnologias inovadoras que promovem a eficiência das empresas.

Contudo, independentemente da transformação que está a ocorrer do lado da oferta, também é muito importante a mudança de mentalidades do lado da procura. É natural existir inércia à mudança; com o tempo e aumento da penetração existente destas fintechs, muitos clientes vão entender os benefícios propostos e ultrapassar estas barreiras.

As empresas privadas, sobretudo as mais ágeis, já iniciaram os seus processos de transformação acolhendo estas soluções inovadoras, pois entendem as suas propostas de valor altamente competitivas. Não é, no entanto, o caso de um cliente especial que, dado o seu posicionamento, deveria ser desde logo um “early adopter”, mas cuja inércia (e, muitas vezes, coragem) para acolher soluções inovadoras acaba por integrar o grupo dos laggards: o Estado.

Tal como para as empresas privadas, o acesso a serviços digitais pelo Estado recorrendo a fintechs/neobanks fora da banca tradicional pode originar aumentos de produtividade, reduções de custo por via da digitalização de processos e também novas formas de interação entre cidadãos, empresas e Estado.

Há cerca de um ano o Estado anunciou o Plano de Ação para a Transição Digital em que no “Pilar III – a digitalização dos serviços do Estado” está patente uma excelente oportunidade de se investir em novas soluções tecnológicas, já que a oferta que existe da própria banca nacional começa a ter limitações. Tal como está a acontecer no privado, o Estado deverá ter uma mente aberta e considerar todas as soluções que estão ao seu alcance, de forma a fomentar o processo de transformação digital.

Torna-se assim bastante claro que ficar dependente de soluções nacionais ou “agarrado” a modelos de trabalho existentes poderá originar perdas de oportunidade e investimento em tecnologia que pode, desde já, estar obsoleta. Agora é o momento!