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Fiscalista da EY alerta: IVAucher “aparece envolto em dificuldades técnicas de implementação”

Nas alterações de impostos indiretos no OE2021, Amílcar Nunes, Associate Partner da EY destaca “a figura mediática” do IVAucher, a pretexto da recuperação de alguns dos sectores mais afetados pela pandemia – a restauração, o alojamento e a cultura. Fiscalista deixa, porém, o aviso: “desde logo este mecanismo aparece envolto em dificuldades técnicas de implementação.
25 Novembro 2020, 17h07

É uma inovação neste orçamento, que visa estimular setores mais afetados pela pandemia. Consiste basicamente num crédito de IVA obtido pelos consumidores através dos gastos neste setor que, após acumulados durante um trimestre, pode ser recuperado em novas compras nas mesmas áreas. O IVAucher, como se designa esta medida, abrange bens e serviços nas áreas da restauração, turismo e atividades culturais, tendo o Executivo destinado para esta medida 200 milhões de euros. Amílcar Nunes, Associate Partner da EY, alerta, porém, que “este mecanismo aparece envolto em dificuldades técnicas de implementação”.

Na conferência JE/EY sobre o OE2021, este fiscalista diz que, ao nível do IVA na proposta que deu entrada no parlamento não existem alterações em termos de taxas ou mesmo de regimes específicos previstos na legislação do IVA. “Aparece-nos, no entanto, esta figura mediática do IVAucher, a pretexto da recuperação de alguns dos sectores mais afetados pela pandemia – a restauração, o alojamento e a cultura”, afirma. E deixa o alerta: “desde logo este mecanismo aparece envolto em dificuldades técnicas de implementação. Para além de que aparece aquela técnica legislativa de que o cidadão para poder usufruir de um determinado benefício, tem de incorrer primeiro numa despesa e obviamente sujeitar-se àquilo que são os escrutínios dos consumos individuais”.

Recorde-se que o IVAucher assenta na acumulação do IVA suportado naqueles três setores por um período de três meses e a utilização por um período igual de três meses. Ou seja, no primeiro trimestre, os consumidores pagam a totalidade dos seus consumos em restaurantes, hotéis ou salas de espetáculos, tendo de pedir fatura com número de contribuinte. No trimestre seguinte, o valor do IVA relativo a essas compras será descontado em novos consumos nos três setores abrangidos.

A medida carece ainda de regulamentação, mas para a sua operacionalização está a ser desenvolvida uma plataforma tecnológica com a SIBS, que gere a rede multibanco. É através da plataforma, que, segundo o Executivo, ligará a conta bancária do consumidor ao portal e-fatura, que serão aplicados os descontos.

IVA das bebidas continua por reduzir

Amílcar Nunes sinaliza ainda como maior preocupação deste mecanismo do IVAucher “perceber qual é o trade-off efetivo em sede de Orçamento do Estado”. “Parece que este trade-off, ou este cordeiro sacrificado, acaba por ser uma autorização legislativa para reduzir o IVA na restauração e que constava nos últimos quatro Orçamentos do Estado”.

Recorda aqui que nos últimos quatros anos, o Governo podia executar esta autorização legislativa no sentido de baixar a taxa do IVA na restauração, nomeadamente incluir as bebidas que, neste momento, estão fora da taxa mais reduzida de prestação de serviços de alimentação e bebidas. Isto era algo que acontecia até 2012, antes da intervenção da troika e que agora cai fora do Orçamento do Estado.

Recorde-se que em 2016 o governo respondeu a uma reivindicação do sector da restauração e baixou de 23% para 13% a taxa do IVA dos alimentos e bebidas associadas a cafetaria. Mas deixou de fora todas as outras bebidas. Nos Orçamentos do Estado de 2017 e seguintes acabou por prometer acabar com esta situação já que incluiu uma autorização legislativa para aplicar também a taxa de 13% a estes produtos.

“Esta questão da descida do IVA na restauração acaba por ser importante, porque, em primeiro lugar, pretende-se que a descida desta taxa do IVA possa proporcionar bens e serviços mais baratos para os consumidores. Portanto, refeições mais baratas, o que estimula, em teoria, o consumo e a criação de emprego. Na prática, sabemos que os operadores acabam por capturar parte desta poupança de imposto.

Mas na realidade esta recapitalização dos empresários da restauração através da taxa do IVA que poderia baixar, poderia ser uma medida de política fiscal bastante interessante”, defende Amílcar Nunes.

Para este fiscalista “perdeu-se aqui a oportunidade de ir mais além”, dando conta de que se virmos o que está a acontecer na Europa, a Inglaterra desde 15 de julho que diminuiu a taxa de IVA de 20% para 5% nos setores do turismo e restauração. A Irlanda desde 1 de novembro de 2020 reduziu também a taxa de IVA dos setores de alojamento e turismo de 13,5% para 9%. “A este respeito, Portugal pouco fez em sede do Orçamento do Estado”, conclui.

Impostos indiretos sem alterações

Para 2021, o Governo decidiu não proceder à atualização das taxas dos Impostos Especiais de Consumo (IEC) para proteger o rendimento das famílias e assegurando as margens que permitem às empresas enfrentar o atual contexto de incerteza. Também as taxas do IUC e do ISV não sofrerão quaisquer atualizações, com o Governo a criar apenas um desconto na componente ambiental nos veículos usados e a continuar a incentivar a compra de veículos elétricos.

“Em matéria de tributação sobre o consumo. Este Orçamento, parece-me algo desenxabido, com pouco sabor. Isto porque, todos sabemos que a principal ferramenta em termos de política fiscal destina-se a estabilizar o produto e suavizar as quebras em momentos recessivos. E controlar tendências inflacionistas em momentos de expansão. O que é certo, é que, pelo menos, numa perspetiva de tributação indireta, este Orçamento não é de todo expansionista”, defende Amílcar Nunes.

Em termos do OE2021, fiscalista observa uma manutenção das taxas ao nível dos impostos, portanto, diz, “uma certa estabilidade fiscal”.

Relativamente aos Impostos Especiais sobre o Consumo (IEC), Amílcar Nunes realça que não houve alterações no Imposto sobre o Álcool quer ao nível das bebidas espirituosas quer ao nível das cervejas, o que, diz, “foi bastante acarinhado por ambas as indústrias, sobretudo pelas novas gerações de produtores de bebidas destiladas e cervejas artesanais que assim veem alargadas as suas hipóteses de sobrevivência”.

Em matéria de imposto sobre o tabaco (IT), prossegue, “não temos alterações de relevo, porque as taxas também não aumentam” e em sede de ISV e IUC “também não existe qualquer alteração das taxas”.

“Temos simplesmente uma mudança em termos da componente ambiental das viaturas usadas. Esta alteração surge no âmbito de um processo de condenação do Estado português pela Comissão Europeia, o Estado português alterou a componente ambiental da fórmula de cálculo para o apuramento do ISV, porque de facto estava a equiparar as viaturas usadas matriculadas noutros Estados da UE às viaturas novas. Esta é a grande alteração a destacar em sede de ISV e de IUC”, explica.

“Perdeu-se a oportunidade de ir mais além”, diz fiscalista

Para este especialista, “perdeu-se a oportunidade de ir mais além em sede de tributação indireta”. Amílcar Nunes recorda que os economistas costumam dizer que os dois primeiros setores a sentir a crise são a venda de automóveis e a venda de casas. “Isto porque são bens de consumo duradouro. E de facto aquilo que acontece é que nos automóveis temos um não aumento das taxas. Portanto, a cristalização das taxas no setor automóvel, mas ao nível do imobiliário, nós não temos nada”, explica.

Fiscalista defende taxa reduzida de IVA nas casas

Para este fiscalista, “perdeu-se aqui a oportunidade de introduzir uma taxa reduzida para empreitadas no que respeita à construção ou para o próprio arrendamento residencial”. Esta seria, diz, uma medida que à semelhança da descida do IVA na restauração poderia ter como propósito a colocação de bens a preços mais baixos junto dos consumidores. Neste caso, de casas.

Amílcar Nunes explica que quando se vende uma casa, esta é isenta de IVA. Ou seja, diz, “quer o construtor quer o promotor vão ter de incorporar o valor deste imposto, nomeadamente das empreitadas e todos os custos na construção de imóveis à taxa de 23%. Isto significa que esta carga excedentária deste imposto oculto vai estar dentro do preço de imóvel. Logo, a redução deste imposto neste tipo de serviço ou de empreitadas, iria certamente reduzir esta carga fiscal oculta e promover e dinamizar o mercado de habitação”.

Para este especialista da EY, no limite, se o legislador quisesse ir mais longe, “até podia dizer que a transmissão deste tipo de imóveis habitacionais seria sujeito a uma taxa de IVA reduzida como, por exemplo, acontece em Espanha. E isso eliminava por absoluto a carga excendentária deste imposto oculto”.

Os especialistas da EY recordam que em Espanha a venda de imóveis novos afectos à residência estão sujeitos a uma taxa de IVA de 10%. Só por esse fato, o promotor pode deduzir a totalidade do IVA e como tal não vai repercutir esse custo para o consumidor final. Mas depois também não tem o equivalente às nossas primeiras vendas que é o IMT. E também não tem imposto do selo como nós temos. Portanto, a carga de tributação da venda de casas novas em Espanha está sujeita a uma taxa única de 10%.

Enquanto em Portugal, conclui, “a taxa para a generalidade dos setor residencial é de 23%, porque o promotor, ao não poder deduzir o IVA, vai ter de repercuti-lo e em cima disso ainda temos o IMT que pode ir até 7,5% para habitações superiores a um milhão de euros e temos mais 0,8% sobre Imposto do Selo. Contas redondas, temos Espanha com uma taxa de 10% e Portugal como uma taxa de cerca de 30% no imobiliário”

“Em termos gerais o OE2021 é um bom Orçamento em termos de tributação indireta no sentido de não aumentar taxas. Há uma estabilidade fiscal em termos de taxas e regras aplicáveis. Mas podia-se ir mais além para evitar quebras maiores e potenciar o crescimento económico”, conclui.

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