Nas últimas semanas, gerou-se grande desconforto com a possibilidade admitida e defendida por vários membros do Governo de fixar os preços dos bens essenciais.
Não restem dúvidas que a fixação de preços é uma violação do princípio da livre concorrência – pedra basilar de uma economia de mercado e que, assim diz a doutrina, gera incentivos à inovação de produtos e serviços, aumento da qualidade e a redução do seu preço, beneficiando assim o consumidor final.
Com dois paradigmas tão díspares, não é de estranhar o embate. Ou talvez seja. Isto porque, nós, em Portugal, temos uma longa história de alegada fixação de preços e coisas conexas.
Em 2022, a Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou coimas de 225 milhões de euros a 11 bancos por práticas anticoncorrenciais, alegadamente cometidas entre 2002 e 2013. O problema era uma alegada prática de concertação de preços na concessão de crédito. Mas os sinais estranhos na banca continuam.
Filipe Santos, Dean da Católica-Lisbon, escrevia em janeiro deste ano que “algo vai mal na banca Portuguesa”, porque “os novos depósitos a prazo dos particulares na banca recebem em média apenas 0,31% de juros, quando na Europa a taxa de juro já ascende em média a 1,12%”. Portanto, concorrência aguerrida esta.
Em finais de dezembro de 2020, a AdC multava seis cadeias de supermercados por alegada concertação indireta de preços durante um largo período de anos.
Já em dezembro de 2019, a AdC acusou – ao abrigo de um programa de clemência – duas operadoras de telecomunicações de terem constituído um cartel de repartição de mercado e fixação dos preços dos serviços de comunicações móveis, vendidos isoladamente ou em conjunto com serviços de comunicações fixas.
Em 2021, quatro operadoras foram acusadas de terem celebrado um cartel para limitar a concorrência em publicidade no motor de busca Google, em prejuízo dos consumidores. Já no setor da energia, a maior empresa portuguesa foi acusada e multada em 48 milhões de euros por ter, alegadamente, manipulado a sua oferta de telerregulação ou banda de regulação secundária durante cinco anos, com prejuízo para os consumidores.
Em 2022 foram sete empresas de segurança privada multadas em 41,3 milhões de euros por prática de cartel em concursos públicos. E quem não se lembra das práticas anticoncorrenciais no mercado do gás engarrafado…? E podíamos adicionar casos recentes nos seguros e na saúde privada.
Num mercado pequeno, com poucos players, e em indústrias maduras, concorrência significa muitas vezes uma race to the bottom para as empresas. Não admira, portanto, o que se vai vendo em matéria concorrencial em Portugal.
Daqui se retira uma conclusão simples: os portugueses são abusados enquanto contribuintes e enquanto consumidores. Sem que cada agente livremente cumpra a sua função, e na ausência de instituições de qualidade, nenhum modelo funcionará em Portugal. Como afirma o ditado: “Diz o roto ao nu: porque não te vestes tu?”.