Alguns fóruns europeus têm vindo a desenvolver uma agenda que procura promover modelos de trabalho flexíveis, sem que os mesmos se transformem em soluções de precariedade ou modelos encapotados semi-esclavagistas. Estes modelos de trabalho flexíveis podem assumir diversos formatos, mas a sua implementação tem sido lenta e com elevada discrepância regional entre o Norte e o Sul da Europa.

Por um lado, existem obstáculos legais e processuais. Por outro, temos um tema de cultura de gestão. Nos primeiros encontramos temas tão diversos como a ausência de regulamentação sobre os seguros de acidentes em caso de teletrabalho ou, muito simplesmente, a ausência de enquadramento legal.

Acresce que o maior entrave estará na própria noção do que deverão ser os atributos clássicos de um bom gestor. Um bom líder ainda é frequentemente sinónimo de estar sempre disponível e presente fisicamente no escritório. Uma cultura de ‘presentismo’, ou de cara-a-cara, e o medo de que um líder perca estatuto por essa via são frequentemente o âmago da questão.

A dimensão do problema amplia-se pela falta de modelos de referência no seio das organizações e de pessoas que tenham tido sucesso profissional em trabalho flexível, ou ‘flexi-trabalho’. Os gestores de topo não se envolvem na promoção do flexi-trabalho, salvo raras excepções, e as organizações, de igual modo, não preparam planos de formação para que os supervisores e os gestores intermédios possam acompanhar, guiar e estimular a sua adopção.

Tudo isto é tanto mais incrível quanto a evidência empírica nos diz que o flexi-trabalho aumenta a atractividade das empresas no recrutamento e retenção de talento, aumenta a produtividade e os níveis de motivação, estimula a criatividade entre os trabalhadores com funções conceptuais ou analíticas, assegura mais tempo de qualidade e um balanço entre trabalho e vida pessoal mais equilibrado, tal como reforça os incentivos e melhora as condições de igualdade entre homens e mulheres.

Em Portugal, porém, os serviços públicos e as empresas privadas de média e grande dimensão pouco uso fazem do potencial destes modelos de maior flexibilidade. E, para tornar a situação ainda pior, algumas empresas de serviços, muitas vezes cotadas ou com historial no mercado de capitais, usaram e ainda usam a figura da Isenção de Horário de Trabalho (IHT) como lhes dá jeito.

Recorrem às IHT não como forma genuína de estimular o flexi-trabalho e aumentar a produtividade e a satisfação dos seus quadros e técnicos, mas como mecanismo de retenção e recompensa retributiva, à laia de aumento remuneratório, merecido, mas passível de ser retirado com pré-aviso curto. Empresas essas que aproveitam a ausência de cultura e conhecimento dos trabalhadores, mesmo os mais qualificados, sobre a verdadeira natureza das IHT, tornando precário aquilo que os trabalhadores tomaram, na sua boa-fé, como um genuíno aumento salarial e um direito adquirido.

Algumas destas empresas proclamam a sua adesão a princípios de trabalho flexível ao mesmo tempo que fazem um ataque cerrado às IHT das quais, elas próprias, usaram e abusaram. Por este andar, vamos ter uma Primavera muito agitada nos Tribunais de Trabalho…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.