O saldo orçamental do 1º trimestre foi de 0,3% do PIB anual (e 1,2% do PIB trimestral), quando para o conjunto do ano se prevê um défice de 0,4% do PIB. A receita fiscal subiu 6,5%, muito acima do orçamentado (2,7%), enquanto as contribuições para a segurança social subiram 11,7%, também muito acima do planeado (3,6%). Muitos falaram logo na existência de uma “folga” orçamental. Mas será que existe?

Em primeiro lugar, há que recordar que a dívida pública era de 113,9% do PIB em 2022, a terceira mais elevada da zona euro, próxima do valor de Espanha (113,2% do PIB) e de França (111,6% do PIB). De acordo com a Comissão Europeia, poderemos conseguir melhorar a nossa posição relativa, passando para a quinta mais elevada no final de 2023.

Mesmo assim, temos aqui um problema, a que se deve adicionar a questão de uma percentagem excessiva desta dívida estar nas mãos de investidores estrangeiros, o que nos coloca numa posição de especial vulnerabilidade. Nesta perspectiva, demasiado estrita, reconheça-se, não haveria qualquer folga.

Mas comparemos o resultado obtido com a meta para 2023. Na verdade, este resultado significa pouco para o resto do ano, por duas razões. Em primeiro lugar, porque há uma forte sazonalidade nas contas públicas, parte da qual é arbitrária, já que muitas verbas são cativadas inicialmente pelo Ministério das Finanças, para só irem sendo libertadas em função da execução orçamental ao longo do ano.

Mas sobretudo porque o PIB teve um crescimento excepcional e irrepetível no 1º trimestre, pelo que alguns dos bons resultados, nomeadamente a nível fiscal, não deverão ser sustentáveis. De qualquer forma, é agora mais fácil atingir a meta orçamental de 2023, pelo que seria admissível falar na existência de alguma margem orçamental.

No entanto, nos últimos sete anos, uma das formas de alcançar as metas orçamentais tem sido a forte quebra do investimento público. Neste período, a diferença face ao nível já muito deprimido durante a “troika” representa metade do PRR, para se ter uma ideia da enormidade dos cortes, que, aliás, todos sentimos na degradação dos serviços públicos. Só em 2022, previa-se que o investimento no SNS subisse 154% e caiu (!) 18%.

Por isso, antes de cair na tentação de distribuir uma “folga” que quase só existe devido aos pesados cortes no investimento público, importa recuperar das cativações passadas, que têm sido sobretudo duríssimas na saúde.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.