Criado na ressaca da “grande recessão”, o regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), mais conhecido entre nós por Golden Visa, tem tido um assinalável sucesso. Para os distraídos, recorde-se que este regime permite que cidadãos nacionais de Estados Terceiros possam obter uma autorização de residência temporária em virtude de uma actividade de investimento, o que permite, inter alia, circular pelo espaço Schengen sem necessidade de visto e solicitar a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização.

Grandes males exigem grandes remédios. E não fomos os únicos: muitos países, designadamente do Sul da Europa, recorrem a estes expedientes para atracção dos muito necessitados capitais que por aqui escasseiam – v.g., Itália, Malta, etc.

O regime é um sucesso: de acordo com as estatísticas do próprio SEF, até Setembro de 2018 foram investidos em Portugal, graças ao Golden Visa, mais de 4 mil milhões de euros. Magnífico, não é? Ou nem por isso?

A obtenção da ARI pode resultar de vários tipos de investimento, sendo que o imobiliário se tem revelado, sistematicamente, o mais apetecível. Na verdade, das 6.562 ARI concedidas, 6.202 resultam da aquisição de imobiliário. O que não teria nada de mal em si mesmo: foi uma excelente forma de conseguirmos, finalmente, uma impossibilidade física – exportarmos casas! – pois alienamos imóveis contra ingresso de capital estrangeiro.

Alguém, contudo, olvidou que o stock de imobiliário em Lisboa e no Porto já de si não era muito, e que nos anos da crise a construção de novo produto praticamente parou. Estamos agora numa situação estranha: fizemos tudo para exportar um produto que, afinal, escasseia, e por isso os preços dispararam, sendo que começam já a afastar alguns investidores (bom, há outras razões, como por exemplo os barretes que se enfiaram a cidadãos chineses, bem assim o tempo infindo que os processos demoram desde que estourou o escândalo da eventual corrupção na atribuição destes vistos, mas não vou por aí).

Conseguiu-se, assim, na ganância (virtuosa) de captar capitais, pouco mais do que colocar o mercado imobiliário de Lisboa e Porto ao rubro e totalmente fora do alcance das bolsas portuguesas. Ao que dizem os especialistas, algumas zonas destas cidades já não estão sequer no mercado português – são transaccionadas entre estrangeiros, caso em que atracção de capitais = zero.

É certo que a culpa não será só do Golden Visa. Os elevados yields deste mercado, comparados com a actual miséria dos produtos financeiros, sempre deslocariam investidores para o imobiliário. Mas não nos enganemos: o imobiliário está como está sobretudo por causa do Golden Visa.

Em Direito Fiscal, que é onde me movo, aprende-se que um benefício fiscal tem sempre uma finalidade extrafiscal; e que, periodicamente, tal benefício deve ser reavaliado, em ordem a verificar se tal objectivo está a ser cumprido. Em face dessa avaliação, o benefício deve ser mantido, alterado ou extinto.

Porque não adoptar aqui o mesmo procedimento? E se aqueles que nos pastoreiam suspendessem a concessão de Golden Visa por via do investimento em imobiliário, e criassem novas formas de investimento mais apetecíveis do que aquelas que, hoje, são alternativas, mas pelos vistos pouco atractivas aos investidores estrangeiros?

E que tal a criação de um Fundo de Investimento Golden Visa, cujos meios fossem, pelo menos parcialmente, afectos a capital de risco ou a investimento em empresas disruptivas? O investimento seria simples (aquisição de determinado valor em UP’s), a rentabilidade poderia ser elevada (mas com o inerente risco) e o capital assim angariado, em vez de ir para a “roblezação” da economia, poderia resultar em novas, inovadoras e competitivas empresas, com melhorias ao nível do emprego, etc., etc.

Perdoem-me os meus colegas, mas este foco do Golden Visa no imobiliário está a transformar uma boa ideia num problema. Estamos como os que, achando um naco de pirite de ferro, pensam que encontraram ouro. Na verdade, quem beneficia deste regime por via do imobiliário limita-se a colocar cá algum dinheiro contra um rendimento passivo e não reprodutivo. Em contrapartida, a nossa economia não mexe e o mercado imobiliário está desenfreado. Já chega, não?