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Preços de Transferência: Qual o papel dos prestadores de serviços na ajuda às multinacionais

Criação de valor com os preços de transferência está na ordem do dia. As empresas que querem vir a internacionalizar não podem descurar esta dinâmica. As consultoras estão atentas a esta matéria fiscal com o objetivo de obterem os melhores resultados para os clientes.
25 Maio 2019, 16h00

1- Qual o papel dos prestadores de serviços na ajuda às multinacionais no tema dos preços de transferência?

2- Que impacto tem numa empresa global o aconselhamento nesta matéria?

3- Como se adequam as empresas às exigências do projeto BEPS?

4- Como compatibilizam as empresas o conceito de “criação de valor” com legalidade fiscal?

5- Qual a melhor metodologia para abordar esta temática?

6- Como se resolve o tema dos ativos intangíveis baseados nos negócios digitais?

7- O que deve uma empresa fazer quando inicia o processo de internacionalização ao nível dos preços de transferência?

 

Paulo Mendonça, Partner da EY

1- Os prestadores de serviços auxiliam as empresas a cumprir com as suas obrigações declarativas relacionadas com preços de transferência (documentação obrigatória, IES, ‘Country-by-Country Reporting’), realizam avaliações e estudos de otimização da cadeia de valor e, finalmente, colaboram nos processos de contencioso com que as empresas se deparam.

2- Tratando-se de uma das áreas em que existe maior escrutínio e contencioso com a autoridade tributária, o aconselhamento tem um impacto muito significativo pois contribui para um maior nível de segurança jurídica dos operadores económicos.

3- O projeto BEPS vem introduzir um nível de exigência muito mais elevado do que existia no passado no que respeita às decisões de gestão das empresas e às suas consequências no plano fiscal.A avaliação a priori dos riscos fiscais passou a ser uma obrigação pois as consequências decorrentes do incumprimento de regras fiscais podem ser muito significativas e colocar em risco a própria sobrevivência das empresas (responsabilidade criminal dos administradores, inversão do ónus da prova, normas anti-abuso mais abrangentes, correções e penalidades acrescidas e mais prováveis do que no passado).

4- A criação de valor, que no passado incluía de forma vincada as poupanças fiscais por via de otimização da cadeia de comercialização, passou a ter que ser quantificada excluindo o efeito destas poupanças. A exceção à regra serão as situações em que tais poupanças decorrem, sem intervenção direta dos gestores, da nova formulação por via de fatores absolutamente exógenos ou da prevalência de fatores de negócio suportados em níveis adequados de substância e de razoabilidade económica.

5- Os critérios de razoabilidade económica e de substância dos negócios devem prevalecer em qualquer circunstância. Depois, a correta alocação de proveitos e custos ao longo da cadeia de valor alinhados com os riscos, funções e ativos empregues em cada uma das correspondentes fases.

6- Valorizando corretamente as diferentes partes do negócio digital (i.e. desenvolvimento das plataformas, suporte tecnológico ’tangível e intangível e valor dos diferentes mercados em função do número de compradores) a atribuindo a cada uma das jurisdições onde se opera a justa parte dos proveitos e custos do negócio.

7- A troca de informações funciona mais como um elemento dissuasor das práticas de planeamento fiscal agressivo e de incumprimento do que um mecanismo de apoio à tomada de decisões por parte das empresas. Esta é a fase em que se justifica um cuidado maior na definição de políticas de pricing que sejam, por um lado, compatíveis com o desenvolvimento dos negócios e, por outro, que não criem situações dificilmente reversíveis quando esses mesmos negócios se encontram  em velocidade de cruzeiro. Existem alguns graus de flexibilidade nas orientações de preços de transferência da OCDE
que permitem fazer isto mesmo. O segundo aspeto a verificar são as regras domésticas de cada país no que respeita, por exemplo, às obrigações de documentação e de reporte de informação relevante, uma vez que as mesmas não são iguais em todos os países.

 

João Aranha, Transfer Pricing & Incentives Partner na Baker Tilly

1- Os Preços de Transferência são cada vez mais um hot topic quer para as Autoridades Fiscais, quer para qualquer grupo económico e devemos ter em consideração que é uma prática bastante homogeneizada a nível global (salvo raras exceções e pequenos ajustamentos locais). Neste sentido, o prestador de serviços deve ter uma visão global do tema e, só assim poderá prestar um serviço de Preços de Transferência capaz de corresponder às necessidades e expetativas de um grupo multinacional.
O consultor deve estar presente em todos os países onde o grupo multinacional opera (ou tenciona operar), munido dos devidos experts locais de Preços de Transferência. Deste modo, o papel do consultor será por um lado garantir o compliance da política de Preços de Transferência com a legislação local, e por outro lado ser capaz de antecipar riscos e oportunidades em matéria de Preços de Transferência propondo soluções e alternativas ao grupo multinacional.

2- Uma política de Preços de Transferência deve acompanhar, refletir, e se possível, otimizar (de um ponto de vista fiscal) a cadeia de valor dum grupo económico. Neste sentido, o aconselhamento em matéria de Preços de Transferência deve acompanhar a cadeia de valor e responder às expetativas do grupo económico, no que concerne à alocação de rendimento em função dos riscos assumidos, funções desenvolvidas e ativos empregues.

3- O BEPS, enquanto plano de ação para o combate à erosão da base tributável e alocação de lucros a entidades sedeadas em jurisdições fiscalmente mais favoráveis, almeja redefinir uma nova era da tributação a nível internacional, sugerindo best practices que levem a uma alocação justa dos rendimentos gerados por uma qualquer atividade económica.
empresas procuraram muito rapidamente entender os desafios e oportunidades que o BEPS representava e, da nossa experiência, procuraram seguir as best pratices sugeridas. Obviamente, que em alguns casos, mais que noutros, a adoção de novas práticas/políticas a nível de Preços de Transferência acarreta recursos e a implementação das mesmas poderá ser mais demorada. No entanto, a resposta das empresas foi bastante positiva e a adaptação ao BEPS bem mais do que razoável.

4- A fiscalidade é uma vertente acessória do negócio, sendo que o fulcral numa empresa é, de facto, a sua capacidade de criação de valor. A criação de valor não deve, em momento algum, ser escrava de umampolítica fiscal mais ou menos agressiva. Antes pelo contrário, a fiscalidade deve refletir a cadeia de criação de valor do grupo, e assim permitir que a compatibilização não seja sequer um assunto, mas sim um mero reflexo da realidade económica do grupo.

5- A Baker Tilly apoia os seus clientes identificando as suas necessidades, analisando a cadeia de valor, estudando os fluxos intragrupo e percebendo os desafios, riscos e oportunidades de cada cliente.
Com base nestas atividades desenvolvemos vários cenários alternativos, contemplando (em alguns deles) realocações de funções, riscos e ativos e permitindo ao cliente perceber para cada cenário qual a tributação efetiva do Grupo como um todo. Esta metodologia pode, de forma abrangente, ser denominada de ‘Tax Efficient Supply Chain Management’, no entanto, gostamos de salientar que cada cliente tem necessidades e especificidades únicas e que a Baker Tilly não dispõe de respostas padrão, mas sim de equipas multidisciplinares que nos permitem oferecer soluções adaptadas a cada situação.

6- Ao nível dos Preços de Transferência acredito que a solução passe pela adoção e implementação do Profit Split Method a cada um destes negócios. Com a capacidade de atribuir a cada função, risco e ativo uma determinada rentabilidade a questão dos intangíveis poderá ser ultrapassada. No entanto, embora seja uma ideia que faz todo o sentido na teoria, a implementação deste método pode levantar uma grande subjetividade (quer na ótica do contribuinte, quer das Autoridades Tributárias).

7- Em primeiro plano deverá fazer uma análise das operações intragrupo que poderão ocorrer (ex.: serviços de gestão? Cedências de pessoal? Uso de marca? Financiamentos? Redébitos?) e de quais as entidades potencialmente prestadoras e beneficiárias nessas operações intragrupo e qual a sua localização.Em seguida deverá ser elaborado um benchmarking de intervalos de plena concorrência para as várias operações intragrupo (ex.: mark-up de 10% a 15%, Taxa de royalty de 3% a 7%; Juro de 5% a 9%, etc) e perceber o impacto da aplicação de cada um dos limites do intervalo na tributação de um grupo como um todo, nunca descurando, claro está, as funções, riscos e ativos de cada entidade presente na operação.Por último, e face aos vários cenários apresentados face à possibilidade de operações intragrupo diversas e intervalos de plena concorrência distintos, optar e implementar a política de preços de transferência que melhor reflita a cadeia de valor e satisfaça as necessidades do Grupo.

 

 

Susana Pinto, Associate Partner, Tax Transfer Pricing na KPMG

1- A envolvente fiscal está em constante mudança a nível local, regional e global. A actividade económica é uma realidade multi-geografia e, nesse sentido, a pressão exercida pelos Estados para arrecadar a sua “fair-share” dos impostos gerados nos ciclos de criação de valor torna quase indispensável o apoio dos especialistas em preços de transferência.

2- Na verdade, o impacto assenta em duas perspectivas: por um lado, as empresas devem adoptar políticas e preços de transferência consistentes e “compliants” com as regras em vigor nos países onde operam; por outro lado, esta é uma área onde podem ser revistos e optimizados os encargos fiscais efectivos suportados em cada geografia e, por consequência, a nível consolidado.

3- A abordagem ao tema BEPS é uma prioridade dos Governos de vários países e com evidente impacto para as empresas. Em resultado do projecto BEPS e do reporte de informação fiscal e financeira a nível global, tem-se assistido a um maior escrutínio das políticas de pricing adoptadas pelos grupos, verificando-se um incremento das inspecções multilateriais. De facto, nos últimos anos, tem-se assistido a um maior foco nesta matéria, nomeadamente na condução de processos de análise de riscos e revisão
das suas políticas de pricing e dos respectivos acordos.

4- No plano dos (bons) princípios de governance fiscal, esta questão não suscita especial dificuldade.
A criação de valor e a gestão fiscal eficiente da carga tributária andam lado a lado. Ambas são, de resto, obrigações legais dos gestores, assim consagrados na lei portuguesa e reconhecida internacionalmente pela jurisprudência europeia. Ao contrário daquilo que, por vezes, trespassa para a opinião pública,
de entre os deveres dos gestores faz parte uma eficiente gestão fiscal das empresas por si lideradas.
Como é evidente, isto nada tem que ver com práticas que violem a lei ou que mereçam crítica no plano social.

5- O exemplo dos preços e transferências é muito significativo para responder a esta questão.
A KPMG criou uma metodologia de ‘Value Chain Analysis’ que consiste em apreender identificar as actividades que conduzem à criação de valor, assente em técnicas de análise e ferramentas que visam apoiar os grupos nesta matéria. Por esta via, procede-se a um alinhamento das políticas de preços
de transferência com a “criação de valor”, respondendo, deste modo, às Acções 8 – Intangíveis, Acção 9 – Riscos e Capital, Acção 10 – Transacções de risco elevado e por fim à Acção 13 – Documentação e ‘Country by Country Report’ do projecto BEPS.

6- Em primeiro lugar, importa aferir se e em que medida os activos intangíveis potenciam os negócios digitais. Identificados e categorizados os intangíveis, importa avaliar as actividades DEMPE (desenvolvimento, melhoria, manutenção, protecção e exploração) conduzidas por cada entidade para a criação e geração de valor no grupo e determinar o modelo de contribuição de cada entidade para o mesmo com vista a definir o pricing dessas operações.

7- A utilização deste tipo de instrumentos resulta num quadro jurídico mais favorável para o investimento directo estrangeiro. Em resultado de um incremento da troca de informações – seja reactiva ou proactiva -, no cômputo geral tem-se verificado uma maior mitigação dos obstáculos fiscais
às relações comerciais, além de uma melhor prevenção nos domínios do combate à fraude e à evasão fiscal. No essencial, importa que, antes de o fazerem, procedam a uma reflexão séria sobre as condições a definir nas operações “intra-grupo” para que as mesmas reflictam adequadamente as funções e a capacidade de assunção dos riscos por cada entidade face ao modelo de negócio a adoptar.

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