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Embaixadora: “França ocupa um lugar central no comércio internacional de Portugal”

Com um excedente comercial a favor da Portugal, França é um parceiro incontornável de Portugal e cujos investimentos entre nós estão a crescer rapidamente.
22 Outubro 2021, 16h00

A França ocupa o primeiro lugar do ranking dos principais excedentes comerciais de Portugal tanto no que diz respeito às mercadorias como aos serviços – assumindo portanto um lugar central no quadro da internacionalização da economia portuguesa. Em entrevista ao JE, a Embaixadora Florence Mangin anuncia que o objetivo de relocalizar na Europa cadeias de valor que venham reforçar a autonomia estratégica do continente. “Os investimentos entre os nossos dois países entram nessa lógica”, afirma – o que só pode ser entendido como uma excelente notícia.

 

Como estão a evoluir as trocas comerciais entre França e Portugal? Quais os sectores de atividade mais relevantes?
A França é um parceiro económico de primeiro plano para Portugal. Não obstante a crise pandémica e a contração das economias e do comércio, o nosso país manteve-se em 2020 e no primeiro semestre de 2021 o segundo cliente (com 6,2 mil milhões de euros) e o terceiro fornecedor (com 4,7 mil milhões de euros) de bens para Portugal. O mercado francês de bens é estruturalmente lucrativo para Portugal. Excecionalmente deficitária em 2019 (menos 150 milhões de euros), a balança comercial no comércio de mercadorias voltou a ser favorável a Portugal em 2020 (mais 1,5 mil milhões de euros), com um resultado próximo do de 2018.
No que diz respeito ao comércio de serviços, 2019 seguiu a tendência observada nos anos anteriores, com um lucro comercial acrescido para Portugal (mais 3,5 mil milhões de euros), embora 2020 marque uma inversão desta dinâmica, após a forte contração do turismo internacional. Ainda assim, Portugal continua a beneficiar grandemente de um excedente oriundo do mercado francês (mais 2,2 mil milhões de euros).
A França ocupa, assim, um lugar central no comércio internacional de Portugal, tendo-se tornado em 2020 no principal excedente comercial de Portugal, em serviços e em mercadorias.
O comércio de veículos automóveis e seus componentes ocupa um lugar de destaque no comércio bilateral, em consonância com a implantação em Portugal da Stellantis, do grupo Renault, da Faurecia, etc. Estas trocas no mercado automóvel beneficiam Portugal. A aeronáutica, os produtos farmacêuticos e os cereais ocupam um lugar de destaque nas exportações francesas para Portugal, enquanto o calçado, o vestuário, a cortiça e o papel-cartão se distinguem nas exportações portuguesas para França, uma vez mais de forma coerente com a produção e necessidades nacionais.

 

Que impacto teve a pandemia nos fluxos comerciais?
E no investimento?
A nível de relações comerciais, o mês de março de 2020, que marcou o início do confinamento tanto em Portugal como em França, assinalou uma quebra acentuada no comércio de mercadorias, mais marcada no sentido de França para Portugal (menos 40%) do que de Portugal para França (menos 24%). A situação continuou a deteriorar-se em abril.
A partir de maio, o desconfinamento em França e em Portugal permitiu uma recuperação gradual do comércio de mercadorias, que apesar disso, se manteve abaixo dos níveis excecionais do período anterior à crise sanitária no segundo semestre de 2020.
A recuperação tem mostrado um certo desequilíbrio em desfavor da França: entre 2019 e 2020 as exportações francesas de bens para Portugal caíram mais acentuadamente (34%) do que as importações de Portugal (11%).
As exportações de serviços de Portugal para França atingiram 3,4 mil milhões de euros em 2020, o que representa uma forte diminuição em relação a 2019 (menos 30%), mas a parte de França nestas exportações aumentou nesse mesmo período. Este é um sinal relevante da resiliência do mercado francês e de uma menor dependência ao turismo e aos transportes do que outros clientes dos serviços portugueses, tais como o Reino Unido ou a Alemanha. Em paralelo, as importações de serviços de França foram ligeiramente afetadas pela quebra (menos 10%) e o seu peso nas importações de serviços para Portugal aumentou.
A nível de investimento e apesar da crise pandémica, Portugal passou do 11º para o 10º lugar das economias europeias em termos de atratividade para os investimentos diretos estrangeiros (IDE), segundo o inquérito ‘EY Attractiveness Survey Europe 2021’. No ano anterior o país tinha subido de 17º para 11º lugar. Este poder de atração é fortemente exercido na direção das empresas francesas, que foram as que mais reforçaram o seu stock de investimentos em Portugal em 2020 (1,8 mil milhões de euros), depois de já o terem aumentado substancialmente em 2019 (mais 2,1 mil milhões de euros). A França encontra-se assim em quarto lugar dos países emissores de IDE em Portugal com um stock de 11,8 mil milhões de euros no final de 2020, atrás da Holanda, Espanha e Luxemburgo. Para além deste valor de stock de IDE, as empresas francesas continuam a ser, segundo o Instituto Nacional de Estatística português [INE], os atores de primeira linha na criação de riquezas e empregos. Assim, as suas filiais em Portugal ocupavam em 2019 o primeiro lugar em termos de valor acrescentado bruto: mais de cinco mil milhões de euros, ou seja, perto de 23 % do VAB gerado pelas filiais estrangeiras em Portugal. As nossas empresas são geralmente o primeiro empregador estrangeiro dos transportes e logística, do comércio, assim como das tecnologias de informação e comunicação. Portugal tornou-se assim um destino privilegiado de nearshoring, nomeadamente no setor dos serviços. Enfim nestes últimos anos, as empresas francesas estão especialmente dinâmicas no setor das energias, nomeadamente renováveis.

 

Como está a ser a recuperação e quando se espera voltar
aos níveis pré-pandemia?
Tratando-se de trocas de bens, as exportações portuguesas para França já alcançaram no primeiro trimestre o seu nível antes da crise (mais ou menos 3,6 mil milhões de euros, como em 2018 e 2019). À exceção do ano 2019, podemos igualmente afirmar que as importações de bens franceses em Portugal atingiram praticamente o seu nível antes da crise no primeiro semestre de 2021 (2,6 mil milhões de euros, ou seja somente menos 4% em relação a 2018). O saldo da balança comercial prossegue na tendência constatada em 2020, com um benefício para Portugal acentuado no primeiro semestre de 2021 (mais mil milhões de euros).
Relativamente aos investimentos, podemos assim considerar que a crise ficou para trás. De facto, o primeiro trimestre confirma a atratividade de Portugal face às empresas francesas, a França é o primeiro emissor de IDE nesse período (mais 660 milhões de euros) antes da Espanha, o stock atingindo 12,5 mil milhões de euros em finais de março de 2021. De forma simétrica, os investimentos das empresas portuguesas em França são repartidos/distribuídos em alta desde o primeiro trimestre de 2021 (mais 131 milhões de euros).
A execução dos PRR francês e português apresentará, assim o espero, oportunidades cruzadas, comerciais e investimento, para as empresas dos nossos dois países, desde que partilhemos uma experiência e conexão comuns às tecnologias ligadas às transições numérica e ecológica.

 

Quais os setores que estão a recuperar mais rapidamente e quais os que apresentam maiores dificuldades?
As atividades de serviços administrativos são provavelmente os setores que foram os mais resilientes face à crise, tendo mesmo saído beneficiados. Os serviços financeiros (volatilidade dos mercados), consultoria (transformações estratégicas) e tecnologias de informação (digitalização das empresas) beneficiam do contexto atual para desenvolver as suas atividades respondendo às novas necessidades de acompanhamento.
Os setores da hotelaria-restauração, e mais geralmente o turismo, foram bastante afetados. Apesar da implementação do certificado numérico europeu, a dessincronização na emergência de variantes e, portanto, das condições de viagens internacionais, perturbou a retoma do setor em 2021.
As atuais tensões nos fornecimento (tráfego marítimo, falta de semicondutores, etc.), assim como o grande aumento de preço das matérias-primas, em especial a energia, pesam já bastante nas capacidades de produção da indústria e poderiam consequentemente travar a retoma das trocas comerciais de bens industriais.

 

França tem assumido uma postura de país ideal para o investimento estrangeiro na Europa. Há movimentos assinaláveis de investimento português em França?
A publicação do barómetro ‘EY 2021’ de atratividade confirma efetivamente o lugar da França como primeiro destino na Europa para a recolha dos investimentos, pelo segundo ano consecutivo, à frente do Reino Unido e Alemanha. Ainda este ano, a França é a primeira economia europeia em matéria de investimentos industriais e conserva igualmente o primeiro lugar para o recolhimento das atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Em termos sectoriais, os projetos de investimento estrangeiros em França nas energias renováveis tiveram um aumento de 81% em 2020. França está em primeiro lugar em matéria de investimentos nos setores da saúde. Ela registou um aumento de 123% do número de projetos na indústria farmacêutica em 2020 e acolhe apenas para ela 40% dos projetos de investimento nos equipamentos médicos e cirúrgicos. O maior crescimento diz respeito aos projetos de investimento no mobiliário, madeira, vidro e cerâmica, que triplicaram ao longo dos dois últimos anos. Noto que se trata de setores especializados da indústria portuguesa, cujos atores seriam bastante bem acolhidos se decidissem investir no nosso país.
Ainda limitados em volume (1,4 mil milhões de euros de stock de IDE em finais de 2020), a lógica inicial dos investimentos portugueses em França é de aproximar-se de um mercado importante de bens, serviços e construção civil.
A crise pandémica continua a afetar os circuitos logísticos internacionais e os aprovisionamentos. Neste contexto, partilhamos com Portugal o objetivo de relocalizar na Europa cadeias de valor e, assim, reforçar a autonomia estratégica do continente. Os investimentos entre os nossos dois países entram nessa lógica.

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