A morte de um papa é sempre um acontecimento espiritual. Mas, no caso de Francisco, também é um acontecimento económico. O homem que partiu esta semana não era apenas o líder da Igreja Católica. Era, também, uma das vozes mais lúcidas do século XXI sobre os limites éticos do capitalismo global. A sua ausência obriga-nos a perguntar: o que aprendemos com ele — e o que ainda não fomos capazes de aplicar?
Desde o início do seu pontificado, em 2013, Francisco posicionou-se de forma clara contra o “dogma do mercado”. Usou palavras fortes — idolatria, exclusão, indiferença, descarte — para descrever o sistema económico dominante. Não se tratava de retórica religiosa: era uma crítica com fundamentos sociais, políticos e até ecológicos.
Foi também Francisco o inspirador da Economia de Francisco, uma iniciativa que convocou jovens economistas, empreendedores e pensadores de todo o mundo para repensar os fundamentos da economia, a partir de três princípios: dignidade humana, sustentabilidade planetária e solidariedade real.
É justo reconhecer que nem todos os sectores da Igreja acompanharam Francisco neste caminho. Parte da hierarquia preferiu o conforto das abstrações teológicas à exigência de mexer em estruturas económicas concretas. E no mundo dos negócios, muitos o viram com simpatia, mas poucos ousaram traduzir seu pensamento em práticas.
No entanto, há sinais de transformação. Fundos de investimento ético ligados a instituições católicas têm ganho força. Bancos de microcrédito, plataformas de economia solidária e novos modelos de ESG (Environmental, Social and Governance) inspirados em princípios franciscanos começam a ser levados a sério em fóruns internacionais.
Portugal, com sua tradição cooperativa, as mutualidades e a força crescente das finanças de impacto, pode e deve estar na vanguarda desta mudança. Ainda mais agora, com a presidência rotativa da União Europeia em vista e os desafios sociais da transição verde.
A economia que Francisco sonhava não era uma nostalgia agrária. Era uma economia com alma. Uma economia que perguntasse não apenas “quanto custa?”, mas também “para quê?”, “para quem?”, “a que preço humano?”. Sua morte deixa um vazio. Mas também um legado. E como todas as grandes perdas, o que importa agora é o que fazemos com o que recebemos.
Talvez o maior tributo que o mundo económico possa prestar a este papa não seja o luto institucional. Mas a coragem de repensar o que significa, hoje, ser próspero. Porque como ele mesmo disse, citando São Francisco: é dando que se recebe. E o mercado — como a vida — precisa reaprender a dar.