Com a morte de Francisco Pinto Balsemão, Portugal assistiu a uma rara unanimidade: políticos, comentadores e cidadãos comuns convergiram na homenagem a uma figura que marcou indelevelmente a democracia portuguesa. O discurso do seu filho, Francisco Pedro Balsemão, no Mosteiro dos Jerónimos, foi um momento particularmente comovente — simples, humano e carregado de significado.
Contudo, os elogios vindos de figuras destacadas do Partido Social Democrata (PSD) suscitam reflexão. Marques Mendes, conhecido pelas suas posições volúveis, classificou Balsemão como “democrata exemplar”, atribuindo-lhe uma “visão estratégica” que teria evitado uma “crise fatal” no partido. Curiosamente, foi o mesmo Marques Mendes que, através da sua plataforma na SIC, lançou duras críticas à liderança de Rui Rio — precisamente apoiada por Balsemão.
Luís Montenegro, atual líder do PSD, descreveu-o como “símbolo da democracia” e da “fundação do partido”, alguém que “espicaçava o partido para aprofundar a social-democracia”. No entanto, Balsemão apoiou Rui Rio nas eleições internas do PSD, em oposição direta a Montenegro e à sua fação.
Cavaco Silva, por sua vez, destacou a “ousadia” e o “legado” de Balsemão, apesar de ter sido um dos que o traiu entre 1980 e 1981, recusando integrar o governo liderado por ele. Já Marcelo Rebelo de Sousa, fiel ao seu estilo, recorreu a quase todos os adjetivos do dicionário, ignorando episódios como o célebre “lé-lé da cuca” e outras excentricidades.
Francisco Pinto Balsemão foi, de facto, um dos fundadores do PSD, um homem que o salvou em momentos críticos e que é unanimemente reconhecido como visionário, ousado, democrata, defensor da liberdade, íntegro e cordial. Paradoxalmente, muitos dos que hoje o enaltecem foram, nas suas próprias palavras, os que apenas sabiam “minar, minar, minar” nos difíceis anos 80.
Após abandonar a política com dignidade, Balsemão encontrou nos media a sua verdadeira vocação. Mas a história repetiu-se, não com ele, mas com um dos seus discípulos. Em 2015, declarou ao “Diário de Notícias” que uma eventual candidatura de Rui Rio à Presidência da República era a que lhe inspirava “mais confiança e entusiasmo”. Apoiou-o nas diretas do PSD em 2017, 2019 e 2020, chegando a presidir à Comissão de Honra da candidatura, por considerar que Rio era “a melhor solução para o partido e para o país”.
Entre 2019 e 2022, Rui Rio foi alvo de uma campanha de desgaste — “minado, minado, minado” — por figuras como Marques Mendes, Miguel Júdice (cuja filha integra agora o Governo), Luís Montenegro e uma máquina de escárnio e maledicência centrada no jornal “Observador”.
É, portanto, desconcertante que um fundador do partido, descrito como visionário, íntegro e democrata, tenha sido traído na sua época, e que o líder que escolheu tenha enfrentado a mesma “dinastia de traidores”. Seria de esperar que os conselhos de um homem com tal reputação fossem mais respeitados. Algo não bate certo. Hipocrisia?
Balsemão, o leão, agia por sentido de serviço e pela responsabilidade de “deixar o país melhor do que o encontrou”. As hienas, essas, movem-se por agendas pessoais, interesses obscuros e em nome do poder pelo poder. Na política portuguesa, a integridade e a ética parecem ser uma limitação. É o triunfo da “má moeda” sobre a “boa moeda”.
Descanse em paz, Dr. Francisco Pinto Balsemão.



