Após um ano e um mês de vigência, entendeu o Governo cessante deitar por terra a portaria que, em 2011, veio – e bem – determinar a aplicação de uma taxa de carbono sobre viagens aéreas, marítimas e fluviais a favor do Fundo Ambiental. Uma alteração que veio, de forma pouco clara – e a poucos dias da tomada de posse dos eleitos à Assembleia da República e do novo Executivo –, desviar esta fonte de receita (a aplicar originalmente em ações de financiamento do transporte público coletivo) para a esfera das administrações portuárias. E para que fim exatamente? A nova portaria não podia ser mais genérica.

Diz a portaria do Ministério do Ambiente que é urgente “aumentar a eficiência de toda a atividade portuária, melhorando a sustentabilidade ambiental, a responsabilidade social e eficiência logística dos portos”. Estudos recentes dão nota de que um grande navio de cruzeiro pode ter uma pegada de carbono superior a 12 mil automóveis e que os passageiros de um só cruzeiro na Antártida podem produzir tantas emissões de dióxido de carbono como a média europeia num ano inteiro.

Mesmo com o impacto negativo da Covid-19, só entre julho e meados de dezembro de 2020 tiveram lugar mais de 200 viagens de cruzeiro, o que mostra a importância de uma maior regulação da atividade e da aplicação de instrumentos de fiscalidade verde.

Ainda que esta atividade seja responsável pela criação de 1,8 milhões de postos de trabalho no mundo (2019) e por um contributo para a economia global de 140,8 mil milhões de euros, não pode ser, porém, o pilar da economia a ditar e a orientar as políticas públicas, ignorando a pegada carbónica para as nossas cidades e a fatura para as atuais e futuras gerações.

É, no mínimo, preocupante esta decisão do Governo, que invoca apenas a necessidade de apoiar “a atividade do turismo de cruzeiros muito relevante para a economia regional, diretamente ligada a centenas de postos de trabalho diretos e indiretos”, sem especificar dados e sem concretizar a que se refere quando fala em promover “o compromisso do setor com as melhores práticas de turismo responsável e com o progresso contínuo no desenvolvimento e implementação de novas tecnologias ambientais”.

O Fundo Ambiental tem-se sido um importante instrumento de financiamento de ações de mitigação das alterações climáticas, através de incentivos à aquisição de veículos elétricos ou do apoio aos transportes públicos por via da redução tarifária.

Na ausência de mais elementos sobre os fins subjacentes a esta alteração de última hora, talvez nos fizesse mais sentido que, ao invés de retirar esta fonte de receita ao Fundo Ambiental, esta fosse usada para combater o impacto da seca – que em 2005 custou 285 milhões de euros – ou aplicada em medidas ou projetos-piloto de reutilização de águas. Até porque bem sabemos que os fundos comunitários vão ter de ser igualmente canalizados para investimentos que visem a autonomia energética e a transição energéticas dos portos e dos navios que atracam nas nossas costas. Mas isso não pode ser à conta de deixar a missão do Fundo Ambiental à deriva!