Que as férias não abrandem a discussão pública em torno do Plano de Recuperação Económica e Social português. Por isso, regresso ao tema, em particular à necessidade de, com critérios claros e com a agilidade que se impõe, transferir os recursos comunitários de forma célere para o financiamento da atividade produtiva. Ou seja, a velocidade de afetação dos fundos, a agilidade na sua transferência e, por fim, a certeza de que a transferência se faz para atividades que criam valor e emprego na economia, são três questões que exigem uma forte concentração de esforços por parte da sociedade portuguesa e do Estado em particular.

O dinheiro comunitário de que Portugal pode beneficiar ainda este ano e na próxima meia dúzia de anos não tem paralelo com o passado. O Plano de Recuperação Económico Europeu atribui ao nosso país 15,3 mil milhões de euros a fundo perdido e cerca de 15,8 mil milhões de euros em empréstimos a taxas de juro favoráveis, para serem executados (gastos ou comprometidos) em três anos, até ao final de 2023. Além disso, teremos cerca de 30 mil milhões do Quadro Financeiro Plurianual para serem executados em sete anos, até ao final de 2029, para já não falar do montante de cerca de 12 mil milhões de euros do Quadro Portugal 2020, ainda por executar.

Se olharmos para a execução de outros quadros comunitários de apoio e, em particular, para o Portugal 2020, onde no final do primeiro semestre do corrente ano se registava uma execução de apenas cerca de 50%, facilmente se constata que enfrentamos um trabalho hercúleo.

Acresce que agora os montantes são mais elevados, aumentando as dificuldades de execução e o contexto pandémico que se vive, não facilita o início dessa execução, antes pelo contrário. Esta é uma constatação que deverá nortear o comportamento dos decisores públicos, impulsionando-os a não começar de forma lenta, para ir atingindo a velocidade cruzeiro, mas antes imprimindo um ritmo elevado logo de início, como se o fim do prazo estivesse para breve.

A agilidade na transferência de fundos deve ser vista de duas perspetivas. Por um lado, há que garantir uma administração pública qualificada tecnicamente, menos burocrata, mais clara e transparente, capaz de concretizar com qualidade a afetação de fundos comunitários ao tecido produtivo português.

Ora estas características não são óbvias existirem em quantidade suficiente na administração pública, que ao longo dos anos tem, progressivamente, perdido competências pela pouca atratibilidade que exerce face ao setor privado, pela ausência de incentivos ao desempenho dos funcionários públicos e pelas dificuldades de renovação etária dos funcionários públicos que os sucessivos orçamentos de estado têm imposto, entre outros aspetos.

Por outro lado, terão de se criar condições para apoiar as empresas na elaboração das candidaturas aos fundos comunitários, em particular as pequenas e médias empresas, que têm maiores limitações organizacionais, quando comparadas com as grandes empresas. Deve haver uma cooperação construtiva entre a entidade gestora dos fundos e as empresas que se candidatam aos mesmos.

Para além do investimento privado, também o investimento público assume um papel fundamental na utilização eficiente dos recursos europeus. Os valores são muito elevados e antevê-se alguma dificuldade de execução, pelo que existe a oportunidade de aumentar o investimento público de grande dimensão, nomeadamente, em infraestruturas e ferrovia, na saúde, na educação, só para citar alguns exemplos.

Finalmente, a certeza do financiamento dos projetos rentáveis de empresas viáveis e competitivas em detrimento do financiamento de empresas em dificuldades económicas, é outra questão central. É fundamental uma avaliação técnica dos projetos submetidos com base em critérios que verifiquem a rendibilidade dos mesmos e a solvabilidade das empresas que os promovem. É importante que assim seja, porque as leis do mercado premiarão as empresas mais eficientes e económica e financeiramente viáveis e deixarão cair as empresas inviáveis, sendo que o financiamento destas últimas constituirá um desperdício de recursos evidente e uma perda de oportunidade de crescimento da economia e do emprego.

Embora não sujeito às leis do mercado, também o Estado deve decidir de forma criteriosa os seus investimentos, privilegiando a ótica de maximização do bem-estar coletivo e evitando o desperdício de recursos. É imperativo fugir à tentação do financiamento das despesas correntes e elencar investimentos prioritários com efeitos aceleradores na economia.

Em suma, a oportunidade é única: aproveitem-se bem os fundos.