A crise instalada num dos maiores clubes portugueses encarregou-se de  voltar a trazer para a praça pública a forma como tem vindo a ser gerido o futebol-negócio.

Uma realidade recente e que pouco – ou nada – tem a ver com o futebol-jogo da bola. Um espetáculo que apaixonou multidões e a que, até à chegada da televisão, muitos assistiam apenas através da rádio e das imagens dos jornais – as crónicas dos jogos só acessíveis a quem sabia ler ou contava com a boa vontade de um leitor. Circunstância que não obstou ao desenvolvimento de paixões clubísticas que faziam de cada jornada um alfobre de discussões nas tertúlias habituais: o café, a taberna, o barbeiro, o sapateiro…

Uma realidade que sofreu enormes alterações quando o acesso aos media se democratizou e os grupos de interesse se aperceberam do potencial do fenómeno desportivo. Nessa conjuntura as ligações entre o futebol, enquanto desporto-rei em Portugal, e a política e a economia estiveram na origem de uma teia relacional muito complexa. Uma situação que exige uma reflexão de cariz sociológico.

Assim, alguns pensadores – como Gabriel Tarde e Ortega y Gasset – defendem a irracionalidade da ação coletiva. Dizem que as multidões não dispõem de opinião. Porém, outros pensadores – como Marx, Weber ou Durkheim – recusam que a ação social seja irracional. Afirmam que qualquer facto social encontra explicação noutro facto social.

Esta díade teórica ajuda a compreender o que tem vindo a acontecer em Portugal no que concerne ao futebol, ou seja, de que forma um fenómeno inicialmente popular se está a transformar em populista.

Na minha definição, o populismo representa uma forma de articulação do discurso visando a luta pela hegemonia. Um conflito que pressupõe a criação de dois corpos antagónicos – nós e eles – e que recusa qualquer tipo de negociação.

É através dessa luta que o líder se aproveita da irracionalidade das massas e se alcandora ao Poder. Também é em nome dessa luta que o líder exige a destruição dos corpos intermédios, apresentados como os grandes inimigos. Alguém que está ao serviço dos outros. Aqueles que desafiam a afirmação do grupo.

No entanto, essa destruição dos corpos intermédios é acompanhada da criação de estrutura de suporte do líder. A sua guarda pretoriana chefiada por pessoas-de-mão. Tudo, oficialmente, em nome do interesse coletivo. A defesa do “nós”.

A atuação das novas estruturas é essencial para o sucesso do líder. São elas que se constituem como o executor da vontade do chefe. O único elemento que não pode ser acusado de irracionalidade. Pelo menos ao nível da definição do objetivo central: alcançar e capturar o Poder.

Finalmente, são essas estruturas que condicionam – alterando, limitando ou impedindo – a ação do “outro”. Sobretudo daquele que, segundo o líder, deixou de pertencer ao “nós”.

O futebol, ainda que travestido de negócio, continuará a apaixonar multidões. Cabe a quem de direito tomar as medidas necessárias para que continue a gerar paixões, mas deixe de constituir um campo inesgotável de recrutamento para lideranças populistas. A menos que a promiscuidade dite a lei.