O tema da governança das sociedades (corporate governance) passou de ser “o rei vai nu” para entrar de empurrão na agenda das organizações, quer através de legislação como a diretiva dos acionistas, que entrará em vigor em Portugal já setembro, quer com recomendações expressas no Código de Governo Societário do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG).
Para a presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), este esta é uma matéria de “maior interesse” e há um caso concreto que o comprova: o da gigante dos pagamentos Wirecard, que entrou em processo de insolvência no final de junho. Para Gabriela Figueiredo Dias, o escândalo de fraude no qual a fintech alemã se viu envolvida é “um exemplo de como más práticas e condutas impróprias, juntamente com os mecanismos de governance, vieram ditar a destruição subida de uma empresa”.
A empresa desconhecia o paradeiro de 1,9 mil milhões de euros e fez com que a auditora EY se recusasse a rubricar aquelas contas. A CMVM acredita que esta “é uma importante lição” e põe até o ónus nos seus homólogos – o modelo de governance da supervisão financeira.
“Criou-se uma ideia de prosperidade e de riqueza que, face ao momento atual, a pressão de bons resultados necessários para fazer perdurar esta ideia, a crença de que melhores dias reverteriam a situação e ‘falsidade’ de valores, não resistiu à pandemia. É só mais um caso a colocar a tónica na idoneidade da gestão, na capacidade de fiscalização da empresa, na fiscalização dos fiscalizadores e – porque nós não nos colocamos fora deste ecossistema – na supervisão”, explicou, num webinar organizado pela Euronext Lisbon, IPCG e SRS Advogados.
E alerta que não é preciso remontar a 2001 (Enron), 2003 (Parmalat) ou mesmo 2008, com a queda da Lehman Brothers, para que se perceba que a fragilidade de instituições compromete a criação de riqueza, um problema que nasce também dos modelos societários, da forma como as empresas estão organizadas.
“O efeito verdadeiramente devastador de alguns acontecimentos financeiros de que bem nos recordamos, infelizmente, ao longo das últimas duas décadas custou a confiança dos investidores a sua vontade de canalizar poupanças para o mercado. É importante abandonar a ideia de que vamos, a curto prazo, inverte esta tendência e recuperar essa confiança”, advertiu.
Gabriela Figueiredo Dias explicou que a perda de confiança dos investidores não é apenas motivada pelas perdas financeiras mas também condutas de mercado inadequadas, oriundas de falta de cultura corporativa, ausência de gestão de risco ou até fraude. Para que a sobrevivência do mercado não fique posta em casa, com essa descrença de quem tem o capital, a solução passa por continuar a investir na promoção da conduta e profissionalismo dos agentes de mercado, ética empresarial, boas práticas, na sua opinião.
É por isso que Paulo Freire de Oliveira, CEO do BPI Gestão de Ativos, considera que o debate em tornos dos modelos de governance já não se prende sobre “como o queijo é dividido entre os stakeholders” mas “como aumentar o valor do queijo”. “Hoje mais do que nunca, o diálogo entre gestão e acionistas é prioritário”, completou Pedro Rebelo de Sousa, fundador e managing partner da SRS Advogados. Já António Gomes Mota, presidente do IPCG alertou para a necessidade de ter em conta planos de sucessão e os pagamentos de executivos.
“O governo das sociedades não é um fim em si mesmo. É um fim ao serviço da criação de confiança e de valor para o mercado”, salientou a responsável do regulador dos mercados, reforçando ainda que a CMVM não se desfoca dos seus objetivos de avaliação da idoneidade dos gestores e da análise da situação financeira das entidades sob a sua supervisão – até porque o trabalho da entidade este ano está sobretudo assente em quatro riscos: reduzida confiança dos investidores, reduzida competitividade do mercado, digitalização do sistema financeiro e sustentabilidade – temas que estão inteiramente ligados com governance.
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