Thalia Verkade, jornalista e escritora que acompanha temas relacionados com a mobilidade, e Marco Te Brömmelstroet, especialista em mobilidade urbana, escreveram num dos livros que fizeram em conjunto que, se o automóvel fosse inventado hoje nenhum regulador o deixaria circular nas estradas.
“Pense bem – uma máquina que mata milhares de pessoas, contribui para doenças respiratórias e cardiovasculares e ocupa mais de metade do espaço público nas cidades”, dizem. Têm razão. No mundo atual em que até a guerra se quer segura, limpa, assética, muito dificilmente se aceitaria um engenho tão mortífero, independentemente das vantagens que nos traz.
Podemos pensar o mesmo quando vemos todo o esforço europeu de correr à frente do desenvolvimento, procurando antecipar todo e qualquer risco, para que nada de negativo aconteça. Nem de positivo, porque o risco é menor quando nada se faz. Na regulação digital está a acontecer isso. Embrulhamos toda a iniciativa em regulamentos para que ninguém saia prejudicado. É mais complexo, claro, mas este é também um ponto óbvio que ajuda a perceber o abismo relativamente aos competidores norte-americanos e chineses.
Tratamos as empresas e os cidadãos como Clémentine cuidava dos gémeos Noël, Joël e Citröen, o nitidamente mais novo, no “Arranca-Corações”: encerrava-os em gaiolas para que não voassem, protegendo-os de todos os perigos. “São meus, só meus! Não quero que lhes aconteça nenhum mal. O mundo é demasiado grande, demasiado perigoso. Nas gaiolas estão em segurança, pertinho de mim, e nada os pode magoar”, justificava a mãe possessiva imaginada por Boris Vian. Hoje, poderia ser comissária europeia ou governante em muitos países, que ninguém estranharia.


