Semana marcante esta, na vida política e parlamentar de Portugal. Após 47 anos de democracia, o Orçamento do Estado para 2022 é rejeitado na Assembleia da República, após o teatralizar do palco político, como nunca antes visto em Portugal.

Na verdade, o ator principal deste teatro político, quando a 13 de outubro, apenas dois dias após a entrega da proposta de Orçamento na Assembleia da República, declarou publicamente que dissolveria o Parlamento em caso de chumbo, não deixou de ser uma ameaça aos dois partidos de esquerda, BE e PCP, que, importa dizer, nem o apoiaram na reeleição presidencial.

Tenho muitas dúvidas que a antecipação do Presidente do que faria, caso a esquerda não viabilizasse o Orçamento, tenha sido o melhor método para um desenlace bem-sucedido para exercer a sua magistratura de influência.

A esquerda, encostada à parede no seu voto decisivo e ferida no seu orgulho com o desempenho autárquico – em que o BE e o PCP perderam mandatos e Câmaras Municipais –, agiu exercendo o voto contra, o que ainda não tinha feito em conjunto desde a criação da famosa geringonça, dizendo ao Governo e ao Partido Socialista, que o “jogo acabou”.

Por 117 votos contra, 108 a favor e cinco abstenções, os deputados chumbaram o Orçamento do Estado. Situação inédita em democracia, mas que foi, de forma prévia, anunciada pelos vários partidos, acabando por não ser surpresa, não obstante tratar-se de um divórcio anunciado, em que o PS tentou vergar os partidos à sua esquerda, pondo em causa a estabilidade do país.

Pelo facto de a consequência do chumbo ser, a priori, conhecida, e em que nenhum dos intervenientes alterou a sua posição, este pormenor torna o ainda primeiro-ministro António Costa no produtor e realizador de todo este teatro político. Na expectativa de ganhar uma vantagem com este jogo de sombras à esquerda, com o cenário de eleições antecipadas em cima da mesa, em que os partidos agora só pensam num novo ciclo político.

Mas, na verdade, a crise política já existia antes sequer de se instalar. Ou estarão esquecidos de que antes da pandemia Portugal não conseguiu uma consolidação orçamental? Mais. A carga fiscal sobre os portugueses é cada vez maior e insustentável ano após ano, encontrando-se no “patamar mais elevado da história recente de Portugal”.

O país governou à esquerda nos últimos seis anos, mas o divórcio entre os partidos deste espetro político consumou-se, pois o poder negocial dos mais pequenos acabou por se esfumar, condicionados por um frenesim que se tornou, inevitavelmente, eleitoral.

O inesperado aconteceu, esperando-se a rápida convocação de novas eleições pelo Presidente da República, mas veremos até à próxima semana todos os desenvolvimentos que podem ainda acontecer até à dissolução da Assembleia da República. É caso para perguntar: e agora, Senhor Presidente?