Recentemente, o primeiro-ministro proclamou a propósito do plano de recuperação e resiliência, mais conhecido por bazuca europeia, que era preciso “gastar” o dinheiro rapidamente. Ora, gastar é um termo perigoso em termos económicos, pois tem uma conotação de desperdiçar. O termo correcto seria investir e com tempo, pois como ensina o povo, na sua imensa sabedoria, depressa e bem não há quem.

A opção ideológica de gastar no Estado e não no investir nas empresas os fundos decorrentes do PRR é o modelo socialista que temos de não apostar nas empresas, na efectiva criação de riqueza e único modo de a redistribuir para acorrer às funções sociais típicas de um Estado de direito social.

“Para financiar os padrões de igualdade, de justiça de bem estar numa sociedade avançada generosa, socialista ou social democrata, é impossível num país que não produz riqueza suficiente. Portanto, vir com razões ideológicas dizer que o estado tem de intervir mais, desde logo por via fiscal, extraindo mais riqueza de um país que produz pouca riqueza. Isto não é possível, é demagogia. Isto vai conduzir-nos a um socialismo de miséria que é algo que nós não queremos. Uma sociedade empobrecida, sem autonomia, cheia de quotas para as minorias, para os pobres, para os esfaimados, para os maltratados para os desabrigados, tarifa social da electricidade, tarifa social da internet, quota para entrar na faculdade, no centro de saúde, no céu. Isto não é possível. É o modelo de atraso económico.

“Nós queremos um país onde em vez das pessoas receberem computadores e livros escolares possam ter ordenados dignos que lhes permitam comprar livros escolares e computadores com o seu dinheiro ou outro bem que lhes faça falta. Ou não comprarem nada e valer a pena poupar a pensar na universidade dos filhos ou no que for. Não podemos viver é num modelo que socializa uma parte insustentável da riqueza nacional que é extraída de uma economia e capitalismo periférico, atrasado pobre e pedinte que anda sempre atrás do estado a pedir subsídio e esmola. Ou rompemos com este modelo ou mais cedo ou mais tarde embatemos numa parede.”

Este discurso não é meu, mas podia ser se tivesse o mesmo brilhantismo do seu autor. É, pasme-se, uma intervenção num programa de televisão do socialista Sérgio Sousa Pinto.

Este mesmo preconceito socialista levou o primeiro-ministro a atacar a empresa GALP a propósito do despedimento dos trabalhadores por força do desactivação da refinaria de Matosinhos. Disse o primeiro-ministro que “quem se porta assim tem de levar uma lição”. E dada a “insensibilidade social” da empresa pediu à presidente da Câmara que tudo faça para impedir que a empresa acabe por fazer naqueles territórios o que lhe der “na real gana”, designadamente que aquela “accione todos os mecanismos legais, que a lei do ordenamento lhe permite, para garantir que naqueles terrenos só se fará o que o município entender”.

Não me ocupando da insensibilidade social da empresa em causa por ter informado os trabalhadores do encerramento uns dias antes do Natal, mas apenas da legalidade dessa decisão. E esta é mais do que legítima. Trata-se da propriedade privada, da iniciativa privada, da criação de riqueza que o primeiro-ministro ignora.

Não faltava mais nada do que o Estado querer imiscuir-se nas decisões, se legais, das empresas. E tanto é legítimo o despedimento objectivo decorrente do encerramento de instalações industriais e sua deslocalização para Sines como o despedimento colectivo da TAP, promovido pelo Governo.

Mas o mais grave é a ameaça, com o jus imperii do Estado, a uma empresa privada de que lhe dará uma lição e instar uma correligionária, presidente da câmara, a tudo fazer para que a empresa não “lucre” com a situação e que nos terrenos privados apenas se fará o que o Município entender.

A Galp é uma empresa de referência no sector onde actua, de capitais maioritariamente portugueses, cotada em bolsa, vista pelos investidores internacionais e tomou uma decisão empresarial, aplicou, tanto quanto se saiba, a lei laboral que lhe permite lançar mão das poucas formas de despedimento por razões objectivas (encerramento de um estabelecimento) e pagará, pelo menos, a indemnização legal aos trabalhadores abrangidos pela decisão. A reconversão profissional dos trabalhadores compete ao Estado, que é para isso que a Galp lhe paga os impostos sobre os seus lucros!

Os terrenos são privados e não do município e este está obrigado a cumprir escrupulosamente a lei do ordenamento do território e as regras do urbanismo.

Terá sido por isto que o ministro do Ambiente recentemente anunciou um corte nas margens de lucro das retalhistas de combustíveis, sem se propor, como deveria, se houvesse sensibilidade social do governo, um corte nos impostos que incidem sobre os combustíveis? Seria já a lição anunciada?

E como a uma boa agenda socialista não podia faltar o ambiente para justificar as decisões discriminatórias, são as alterações climáticas (para manter os impostos sobre os combustíveis) e a contaminação dos solos (para evitar a especulação imobiliária em Matosinhos) que servirão para a redução do lucro capitalista!

Termino como diz o Sérgio Sousa Pinto: ou rompemos com este modelo, ou mais cedo ou mais tarde embatemos numa parede.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.