O regime dos gastos de financiamento líquidos, introduzido em 2013, impõe um limite quantitativo à dedução daqueles gastos no cômputo do lucro tributável em sede de IRC, especificamente, até 1 milhão de Euros ou, se maior, 30% de um EBITDA ajustado nos termos do Código do IRC. Conforme o Relatório do Orçamento do Estado para 2013, o desiderato inerente à criação deste regime era atenuar o “debt tax bias”, tratamento fiscal mais favorável do financiamento por dívida comparativamente ao financiamento por capital próprio.

Em rigor, o “debt tax bias” em Portugal é um puzzle mais complexo do que a mera alegação de que o juro é um gasto dedutível, enquanto tal dedução não é atribuída ao capital próprio. Concretamente, o referido tratamento preferencial encontra-se condicionado pelos sucessivos regimes aplicáveis à dedução de gastos com juros no lucro tributável, a saber a sindicância do benefício resultante do financiamento (artigo 23.º do Código do IRC), das taxas de juro aplicadas em sede do regime dos preços de transferência, da relação entre gastos de financiamento e EBITDA e, por fim, da qualificação de assimetrias híbridas no financiamento. Acresce a este quadro a tributação em Imposto do Selo do financiamento por dívida, aplicada sobre o montante mutuado e, condicionalmente, sobre juros e garantias, bem como, em sentido oposto, a remuneração convencional do capital social. Nestes termos, embora genericamente exista um “debt tax bias”, o seu grau não é absoluto e, em determinadas circunstâncias, poderá mesmo não existir.

A este título, ao contrário da prolífera produção de doutrina jurídico-tributária, constata-se ser diminuta a avaliação quantitativa dos impactos do regime na estrutura de capital das empresas portuguesas, particularmente se, e em que medida, foi promovido o financiamento do ativo por uma fração proporcionalmente menor de dívida e, portanto, por uma fração proporcionalmente maior de capital próprio, como era o desiderato da lei. Efetuando uma regressão econométrica “difference-in-differences”, conclui-se que, após a introdução do regime, as empresas impactadas (“grupo de tratamento”) reduziram o seu endividamento financeiro e endividamento total, respetivamente, em mais 4,4 e 5,9 pontos percentuais do que as empresas não impactadas (“grupo de controlo”). Este efeito foi aferido com referência aos anos até 2017, incluindo, assim, o primeiro ano após o período de adaptação dos patamares do regime.

Os dados econométricos apurados são, portanto, consistentes com a hipótese de que o regime dos gastos de financiamento líquidos promoveu uma diminuição relativa do endividamento na estrutura de capital das empresas portuguesas. Não obstante, em oposição à perceção preponderante, verifica-se existir já anteriormente a 2013 uma tendência de variação do endividamento entre empresas impactadas e não impactadas (tecnicamente, uma “pre-trend”), pelo que, metodologicamente, não se poderá necessariamente deduzir um nexo causal entre a redução do endividamento e este regime.

Desta regressão conclui-se também que a resposta das empresas impactadas foi sucessivamente mais intensa ao longo do tempo, padrão hipoteticamente causado por constrangimentos iniciais à adaptação da estrutura de capital e à necessidade não antecipada de recapitalização de dívida por capital próprio. A possibilidade de reporte do excesso de gastos de financiamento durante 5 anos pode também ter contribuído para este efeito.

Numa perspetiva futura, os incentivos relativos entre dívida e capital próprio continuam em evolução, pelo que será pertinente avaliar novamente o padrão de alteração da estrutura de capital das empresas portuguesa, considerando, entre outros fatores, a perspetivada criação do DEBRA (Debt-Equity Bias Reduction Allowance) a nível europeu.

Nota: A análise econométrica apresentada foi desenvolvida em dissertação de Mestrado em Finanças na Católica Lisbon School of Business & Economics, efetuando-se o devido agradecimento à Professora Doutora Diana Bonfim pela orientação desta dissertação.