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Gato Preto, uma marca portuguesa que não tem medo de arriscar

O JE falou com uma das 50 líderes portuguesas mais poderosas no mundo dos negócios, Carolina Afonso, CEO do Gato Preto. O reconhecimento veio com o selo da “Forbes”, que Carolina considera “uma honra” e uma iniciativa relevante para a liderança no feminino, embora recuse o espartilho da questão do género. O seu mantra é inovar e surpreender, e fazer do ‘Gato’ uma marca global.
6 Agosto 2023, 18h00

Em criança, Carolina Afonso, queria ser professora. O percurso profissional não lhe pregou partidas, as escolhas foram suas. Abraçou o marketing em diversas vertentes, liderou equipas em várias empresas e não deixou de lado o sonho de miúda. Dá aulas no ISEG, em Lisboa, sendo também coordenadora e fundadora de alguns cursos ligados ao Marketing Digital e sustentabilidade nesta instituição de ensino.
O trabalho que tem vindo a desenvolver foi recentemente distinguido pela “Forbes”, que a integrou no ranking das 50 líderes portuguesas mais poderosas no mundo dos negócios. Uma seleção dentre mais de 110 mulheres, com base em cinco critérios chave: Poder de decisão, Poder de influência, Países onde estão presentes, Área Geográfica de ação e Empreendedorismo.

A estratégia assente na inovação terá, decerto, contribuído para esta distinção da mulher que lidera o Gato Preto, uma marca portuguesa de homedecor com 54 lojas, 36 em Portugal e 18 em Espanha, que apostou numa estratégia omnichannel e na entrada no metaverso com uma coleção de NFT, “New Cats on the Block”, bem como na utilização de inteligência artificial. Privilegia a cultura do “testar e falhar” e quer levar “a marca ao mundo”.

Sendo o design de produto um elemento diferenciador do Gato Preto, há planos para reforçar essa área?
Sim, queremos reforçar, porque esse é um dos pilares do sucesso do Gato Preto. Nós temos uma equipa in-house que estuda as tendências e depois as combina com o ADN do Gato Preto, uma marca arrojada, irreverente, quando comparada com alguma concorrência. A cor está sempre presente, é uma marca que é sempre uma surpresa. Nunca se sabe bem o que se vai encontrar quando se vai a uma loja do Gato Preto! [sorriso]

Essa faceta experiencial, sensorial, que a marca tem a advém muito do trabalho feito pela equipa de design de produto, que faz com que os produtos sejam únicos. Os clientes sabem que se vierem aqui comprar uma caneca Gato Preto, não a vão encontrar em nenhum outro sítio. Isto faz com que não nos consigam comparar, faz com que tenhamos uma identidade muito própria. E queremos mantê-la e ter, inclusive, produtos colecionáveis. Sobretudo na linha dos gatos, vamos recuperar uma coleção que foi um fenómeno! Recuperámos três coleções icónicas e fizemos uma votação…

Teve muita adesão?
Foi o público a votar e tivemos perto de três mil votações, tudo muito orgânico. Usámos as redes sociais e recebemos imensas mensagens a elogiar a iniciativa e a dizer que queriam os gatos de volta! [sorriso] No nosso aniversário, em outubro – celebramos 37 anos a 24 de outubro – vamos ter novamente disponível os gatos escolhidos. Não falamos aqui apenas de clientes, mas sim de uma comunidade. As pessoas sabem os nomes dos gatos e pedem especificamente os gatos que querem ver de volta. E no aniversário é isso que vai acontecer!

Isso significa que é uma marca muito acarinhada…
E muito próxima! [sorriso] Os clientes são muito participativos, envolvem-se muito nestas dinâmicas. Sabem exatamente os produtos que a marca tem, são muito críticos também. Houve uma altura em que havia gatos em tudo e decidimos reduzir a quantidade de gatos. Pois houve clientes que notaram e pediram os gatos de volta! [sorriso] Isto é um motivo de orgulho para nós, ter clientes que são uma comunidade, que vêm fazer vídeos nas lojas e que os partilham connosco… Não vejo isso a acontecer com outras marcas. É o chamado ‘user generated content’, que traduz um forte sentido de comunidade.

Receberam o Prémio Escolha do Consumidor 2022, entre muitos outros. Os prémios deixam lastro?
São importantes pelo reconhecimento, mas o nosso principal ativo são, claramente, os nossos clientes a marca que temos. Ou seja, sentimos mesmo que é um fator decisivo e que nos diferencia da concorrência. Nós não vemos na concorrência o mesmo tipo de comportamento dos clientes, porque aqui há muita irracionalidade. [sorriso] A parte emocional é muito importante!

Para quem trabalha marcas, estas têm sempre uma componente racional e uma componente emocional, e tudo junto dá o valor de marca. E há marcas que são percecionadas como funcionais, i.e., satisfazem uma necessidade do cliente. O mais difícil é envolver o cliente porque, a partir daí, coloca-se outra questão, que está estudada, que em inglês se diz “bond”, ou seja, o vínculo emocional e a partir daí há uma irracionalidade, ou seja, o cliente gosta da marca, a marca é uma extensão da sua própria personalidade e, a partir daí, todas as escolhas obedecem a critérios mais emocionais do que racionais, e nós estamos, sem dúvida, nesse patamar. [sorriso]

A transformação digital no Gato Preto já é uma realidade?
O core do negócio era claramente lojas, físicas e o online era um ‘apontamento’. Apenas havia uma loja de e-commerce que expedia para Lisboa. Durante a pandemia, com todas as lojas encerradas, a única loja que podia estar de portas abertas era o online. Foi aí que nós apostámos a sério nesse canal, quando eu entrei para o Gato Preto e fiquei responsável pela área do e-commerce. Tivemos de montar todo o ecossistema. Montar um e-commerce na área da logística e que funcione bem, numa altura em que havia constrangimentos logísticos, em que os produtos demoravam imenso tempo a chegar, em que havia falta de matérias-primas, etc., não foi fácil. Mas foi aí que montámos a estratégia, reunindo os melhores parceiros para criar um ecossistema digital e um sistema de CRM, que não existia no Gato Preto. Ou seja, já sabíamos que tínhamos este tipo de clientes, mas não tínhamos quaisquer contactos dos clientes, não havia nenhum registo das suas compras em loja. E nós queríamos continuar esta relação sem ser apenas nas redes sociais.

Muita coisa mudou?
Agora, com a Salesforce, operamos de uma forma diferente, estruturada, automatizada, com as bases de dados no sítio certo, cumprindo todos os trâmites de segurança, conseguimos fidelizar os clientes, recompensar os clientes, interagir com os clientes de forma personalizada. Estamos a utilizar, inclusivamente, inteligência artificial para esse efeito, e podemos dizer que já enviámos mais de três milhões de newsletters só este ano para os nossos clientes, o que é imenso! E todas elas personalizadas. [sorriso] A Salesforce tem uma ferramenta chamada Einstein, que nos permite personalizar os conteúdos. É como se fosse um colaborador nosso. E o que é que ele faz? Identifica que um cliente que foi ao nosso site, por exemplo, viu este sofá, e menos de 24 horas depois irá receber uma newsletter com informações sobre este mesmo sofá e produtos complementares. É personalizada e é isto que vai fazendo aumentar o engagement.

A afinidade existe, não é uma coisa aleatória. Depois, aproveitamos esse envolvimento para, mais tarde, converter em vendas. Montar isto tudo e integrar os dados que estavam dispersos – isto é um dos principais obstáculos numa estratégia de CRM – foi o primeiro passo, i.e., colocar todos os dados no mesmo sítio, portanto, uniformizados, e com a devida autorização do cliente e respeitando o RGPD, fizemos todo um caminho até que isto fosse realidade.

Sei que está previsto lançarem uma app…
Sim, é nisso que estamos a trabalhar agora, porque a app vai trabalhar a dimensão da fidelização e da recompensa de uma forma muito mais prática. E ainda trabalhar a vertente do omnichannel, porque hoje em dia as apps também cumprem esse propósito. Às vezes, o cliente está dentro da loja a comprar online. As aplicações funcionam muito bem a conciliar o melhor dos dois mundos, porque muitas vezes existe a questão do stock, ou seja, na loja há este sofá, mas o cliente quer saber se há em amarelo ou cor-de-rosa, e percebe que no site encontra toda a informação, ou todo o catálogo, e a aplicação vai facilitar muito nosso propósito. [sorriso] Depois, outro aspeto também muito importante para nós, é rejuvenescer a nossa base de dados. Sabemos que as gerações mais novas utilizam muito mais aplicações, são mais tech savvy, digamos assim, logo, acabamos por cumprir o propósito da fidelização da comunidade já existente e que merece ser recompensada e, ao mesmo tempo, captamos novas audiências, para nós estarmos cá daqui a dez anos. [sorriso]

Entraram recentemente no metaverso. Vão continuar a explorar esta área?
Também foi no ano passado e com um olhar no futuro, que já é presente, aliás. Mas eu vejo o metaverso numa velocidade diferente. No ano passado, e mesmo a nível global, havia muito entusiasmo com o tema metaverso. Até o Facebook mudou o nome para “meta”, portanto, todas as marcas estavam a investir muito naquilo que era o metaverso. Entretanto, apareceu o ChatGPT e, de repente, toda a gente investe em inteligência artificial e até parece que o metaverso já é uma coisa do século passado, obsoleta. [sorriso]

As duas realidades continuam a coexsistir, porque há uma série de avanços que se registam ao nível do metaverso, mas neste momento o tema da inteligência artificial ofuscou completamente o metaverso. Nós estamos nos dois, no metaverso com esta coleção de gatos, porque achamos que o gato é o que melhor nos simboliza e pelo facto de ser colecionável. E então brincámos com esta personalidade do gato e criámos 50 gatos, que são colecionáveis, são NFTs, e estão disponíveis no metaverso.

Teve impacto e resultados interessantes?
Para nós foi interessante porque serviu para testar não só uma nova plataforma, como também para criar um produto digital. Os nossos designers de produto estão habituados a criar produtos físicos, tangíveis, e, portanto, foi um desafio muito diferente. Quais são as características, quais são os melhores formatos? Foi preciso estudar os NFTs mais bem-sucedidos, perceber qual a melhor plataforma para os colocar à venda… A moeda de troca passa a ser as criptomoedas, ou seja, nós próprios tivemos de criar uma conta e entrar nesse mundo das moedas digitais também para comercializar… Para nós, foi muito bom nessa perspetiva! [sorriso] E ao nível do posicionamento da marca, isso permitiu-nos trabalhar o eixo da inovação, porque acabamos por ser uma marca com 37 anos de história, mas ao mesmo tempo uma marca que tem sempre o pé no futuro, e que, tal como os gatos, surpreende sempre, pois não se sabe qual é o próximo passo. [sorriso]

O “gato” é versátil e permite arriscar, é isso?
Sim, é versátil, mas acima de tudo tem uma personalidade que nos permite ir mais além. E não menos importante, a questão do “testar e falhar”. No metaverso o mote é esse. Ninguém sabe qual é o próximo passo. Ou seja, a cultura empresarial, de abertura e permissividade em relação ao erro, tem de existir; se correr mal, correu, mas testámos, avançámos e isso tem de ser premiado. Foi essa a nossa ótica, mas há marcas que não permitem, tudo tem de estar perfeito e fazem mil e um testes até colocar à venda e até dar esse passo.

É um caminho que vão continuar a trilhar?
Isto não é aplicável a todas as marcas, nem a todos os contextos. Tem de ser estudado e nós, enquanto gestores, temos de perceber em que sítio é que estamos e o que é que a marca permite. A marca do Gato Preto permite isso, pela personalidade da marca e pelos eixos que a marca tem. Somos uma marca irreverente que vive muito daquilo que é a personalidade do gato – flexível, versátil, ágil, que aparece e desaparece. Estamos num contexto que é favorável. Os clientes sabem que, em algum momento, isso se vai materializar em algo arrojado e fora do comum. Se não tivéssemos essa capacidade, não teríamos produtos tão icónicos! [sorriso] Isso vai nortear-nos sempre. Por isso é que, quando aparecem estas novas tecnologias mais disruptivas, como a inteligência artificial, queremos estar na linha da frente, e reunimos os parceiros certos para poder estar a fazer automatizações como a já referida. E se correr menos bem, temos sempre os benefícios de ter experimentado e há lições que se aprendem. É essencial a nossa marca ter esta cultura de experimentação. [sorriso]

Há planos para expandir a marca? Qual é a ambição do Gato?
Na verdade, nós estamos a traçar planos a um ano, a três anos e cinco anos. Porque, de facto, há muitas variáveis que nós não controlamos, ou seja, gostávamos de ter mais certezas do que aquilo que temos hoje, como qualquer outra empresa. Há variáveis externas que não conseguimos controlar e que vão ter um peso enorme naquilo que são as nossas estratégias, portanto, não consigo dizer com certeza se vamos para o país “x” ou para o país “y”. Mas se colocarmos isto na perspetiva do sonho, consideramos que um projeto como o Gato Preto não tem de ter fronteiras. Ou seja, o que nós gostaríamos de ser no futuro: uma marca portuguesa com uma forte componente e abrangência global, cada vez mais inclusiva e focada na sustentabilidade. Queremos levar a marca ao mundo! [sorriso]

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