A viagem do submersível Titan, que desgraçadamente culminou em tragédia, diz-nos muito acerca dos novos bilionários, que uma crescente desigualdade na distribuição da riqueza multiplicou nas últimas décadas, numa deriva suicidária do capitalismo que tem proletarizado milhões, sendo sabido que a sua força reside precisamente numa ampla e robusta classe média.

Muitíssimo abastados numa era de embriaguez hedonista, estes ricos novos despendem quantias astronómicas em bens efémeros que lhes proporcionem um rápido reconhecimento de estatuto económico ou em “experiências” (como é habitual dizer-se hoje em dia) que lhes garantam uma gratificação pessoal imediata, “experiências” que para seu gáudio partilham nas redes sociais com uma multidão oscilante entre a admiração e a inveja.

A religião do eu, confissão com crescente número de fiéis, traduz-se, entre os bilionários, na aquisição de bólides de edição limitada, de jactos e de iates com a dimensão de transatlânticos e na concretização de feitos que uma crescente indústria de entretenimento de luxo lhes oferece, seja nas profundezas do oceano, seja nas alturas do espaço.

Os ricos de nova cepa diferem substancialmente dos antigos detentores de fortunas. Sem se pretender, obviamente, fazer qualquer apologia do passado, não se pode deixar de constatar que os monarcas e grandes senhores, seculares e eclesiásticos, foram os responsáveis por grande parte dos tesouros da Arte. O gosto pelas belas artes e pelas belas letras foi-se tornando, ao longo dos séculos, em critério definidor da elite. Ser-se cultivado e amante das artes era uma característica intrínseca aos homens de posição eminente.

A Arquitectura, a Pintura, a Escultura, a Música ou a Literatura são largamente devedoras das iniciativas mecenáticas dos mais ricos e poderosos. Se é certo que estes patrocínios se explicam pelo desejo de engrandecimento e afirmação de poder e estatuto dos seus promotores, não é menos verdade que resultaram também de uma admiração pelo belo e pela cultura e de uma consciência da obra de arte como legado.

A percepção da perenidade da Arte, está inclusivamente patente na convicção por parte de quem encomendava as empreitadas de que o seu tempo de vida podia não ser suficiente para delas fruírem, o que por vezes sucedia, dada a demora na sua execução. A importância da obra e, através dela, a perpetuação da memória de quem a custeava, transcendia, portanto, a satisfação pessoal.

Actualmente, os titulares das maiores fortunas, sentem-se desobrigados de qualquer dever que não para consigo mesmos. Absorvidos também eles pelo vórtex da vulgaridade e do individualismo extremo – que o mesmo é dizer, do egoísmo –, e porventura por terem perdido também o sentido da transcendência – que tanta relevância tinha para os homens de antanho –, a generalidade dos ricos novos, apesar de fazerem parte de um escol, não alcançam mais do que as aspirações do homem comum, as quais, contrariamente a este, podem concretizar à custa da sua vasta colecção de milhões.

A sua herança para os seus e para a comunidade será somente o enorme monte de sucata dos poluentes veículos nos quais um dia se passearam por terra, mar e ar, tão ufanos quanto fúteis, meros homens banais com muito dinheiro.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.