O Banco de Portugal publicou o Relatório de Estabilidade Financeira onde conclui que o quadro de vulnerabilidades evoluiu favoravelmente no último semestre.
A apresentação ficou a cargo da vice-Governadora Clara Raposo, que começou por destaca que no último semestre, manteve-se a trajetória de redução das vulnerabilidades que caracterizou a economia portuguesa na última década. Nomeadamente, “a trajetória da inflação levou o BCE a iniciar a descida das taxas de juro, 75pb desde junho; o crescimento económico em Portugal que foi superior ao da área do euro, apesar das revisões em baixa; a resiliência no mercado de trabalho, com manutenção da baixa taxa de desemprego; as Administrações Públicas, Famílias e Empresas que continuaram a diminuir o seu endividamento e os níveis de poupança aumentaram; e o sistema bancário que foi uma fonte de estabilidade.
Ainda assim, o banco central aponta riscos para a estabilidade financeira, nomeadamente os principais “permanecem associados a desenvolvimentos económicos adversos que possam resultar das atuais tensões geopolíticas”.
“Os conflitos militares em curso, um aumento do protecionismo global e um abrandamento nas principais economias do mundo podem condicionar a economia portuguesa”, refere o relatório.
Por outro lado, o ressurgimento de pressões sobre a dívida pública de países europeus e a eventualidade de novos choques inflacionistas que limitem o alívio da restritividade da política monetária são também elementos de risco.
No plano nacional, “uma política orçamental de orientação expansionista no quadro de um novo modelo de regras orçamentais europeias e possíveis atrasos na implementação do PRR poderão condicionar o crescimento económico e a evolução da dívida”, prevê o Banco de Portugal.
“Um país que tem o nível de vida que Portugal tem, apesar do mérito de redução nos últimos anos, deve conduzir a política orçamental de forma compatível com as regras europeias”, defendeu Mário Centeno.
“No último semestre, embora se observem alguns sinais de abrandamento, a economia portuguesa manteve uma trajetória de redução das vulnerabilidades, em linha com os progressos dos últimos anos. A previsão de crescimento económico próximo do potencial e estabilidade de preços deverá traduzir-se na continuação desse ajustamento”, defende o relatório.
Uma das dimensões estruturais do ajustamento é a significativa redução do endividamento, sublinha o banco central.
O rácio da dívida das administrações públicas diminuiu cerca de 35 pontos percentuais entre 2014 e 2023, para 97,9% do PIB, ainda acima da média da área do euro.
A continuação desta redução contribuirá para a melhoria do rating da República e menores prémios de risco no custo de financiamento, beneficiando famílias e empresas, conclui o BdP.
Partindo de níveis significativamente superiores à média europeia, os rácios de endividamento de famílias e empresas portuguesas estão hoje abaixo da referência comunitária. No final do primeiro semestre de 2024, o rácio de endividamento das famílias atingiu 82% do rendimento disponível, quase 50 pontos percentuais (pp) abaixo do máximo de 2009.
O endividamento das empresas diminuiu para 76% do PIB, uma redução de 50 pp face ao máximo de 2012.
Os riscos para as empresas estão associados a um maior abrandamento da atividade económica na área do euro, potencialmente agravados por choques nos custos energéticos e de produção e perturbações nas cadeias de abastecimento.
Apesar da estabilização da rendibilidade operacional, a manutenção de taxas de juro em níveis ainda elevados condiciona a capacidade de as empresas fazerem face ao serviço da dívida.
Para as famílias, os principais riscos estão associados a desenvolvimentos que conduzam a perdas de rendimento, como uma subida do desemprego ou das taxas de juro. Mas, estes fatores não fazem parte do cenário central de evolução da economia portuguesa, ressalva o BdP.
“Adicionalmente, projeta-se um aumento da taxa de poupança, que contribuirá para promover a resiliência das famílias”, antecipa o banco central. Este progresso, acrescenta, “reflete também a melhoria do perfil de risco dos mutuários dos novos créditos à habitação e ao consumo, reforçado desde 2018 pela recomendação macroprudencial”.
Também o setor bancário está exposto à potencial materialização de condições económicas e financeiras adversas, que tenderá a traduzir-se num maior risco de crédito, alerta o Banco de Portugal.
“À semelhança do resto da economia, o setor bancário registou melhorias assinaláveis em termos de liquidez, qualidade de ativos, eficiência e capital. Parte deste ajustamento ocorreu durante o período de taxas de juro baixas, que limitou a geração de rendimento por via da margem de juros”, salienta o relatório.
O Banco de Portugal salientou que, em média, entre 2011 e 2021, a rentabilidade dos capitais próprios do setor foi de -3,1%.
O relatório destaca que o recente aumento das taxas de juro permitiu ao setor alcançar rentabilidades superiores, remunerando acionistas, reforçando a sua solidez e permitindo o investimento necessário à sua viabilidade futura.
Não se tem assistido a uma deterioração da qualidade creditícia dos ativos bancários, explica o supervisor bancário que adianta que no crédito a empresas, cerca de metade das operações tem sido dirigida a grupos de menor risco.
“No crédito a particulares, a recomendação macroprudencial tem reforçado a resiliência do setor financeiro e dos mutuários”, adianta o BdP.
No primeiro semestre, dois terços dos novos créditos à habitação foram concedidos com LTV (loan-to-value) inferior a 80% e o restante com LTV entre 80% e 90%.
A instituição liderada por Mário Centeno defende que apesar do cenário central favorável, “as instituições devem ser prudentes na constituição de imparidades e na conservação de capital, reforçando a sua resiliência e a capacidade de financiar a economia perante choques adversos”.
Em outubro deste ano, entrou em vigor a reserva de risco sistémico setorial de 4%, aplicada a bancos que usam o método de notações internas (IRB), reforçando a sua resiliência face a desvalorizações no mercado imobiliário.
“Considerando o contexto económico atual, os níveis de rendibilidade e de capitalização dos bancos, e visando o reforço da capacidade de absorção de perdas inesperadas associadas a choques sistémicos, o Banco de Portugal avançou com uma proposta para fixar a percentagem da reserva contracíclica de fundos próprios em 0,75% do montante total da exposição de crédito do setor bancário nacional ao setor privado não financeiro, ponderada pelo risco”, lembrou o banco central. Esta almofada entra em vigor em 2026.
O Banco de Portugal considera que “os notáveis progressos na situação de famílias, empresas e Estado desde a crise da dívida soberana não devem ser vistos como um convite à complacência, mas antes como uma conquista a preservar, exigindo determinação na redução sustentada de vulnerabilidades, em especial face aos desafios climático e tecnológico”.
“A situação internacional tem-nos recordado que choques significativos podem ocorrer a qualquer momento e que uma preparação atempada é decisiva para os mitigar”, conclui o relatório.
O Governador salientou que os riscos salientados no relatório não são materializados.
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