O PS foi o grande vencedor das eleições legislativas deste domingo, tendo conquistado mais 124 mil votos do que em 2015. Porém, com 107 deputados eleitos, o PS não conquistou a maioria absoluta e António Costa tem agora de garantir apoio parlamentar que assegure a estabilidade política durante os próximos quatro anos, como fez questão de frisar no seu discurso de vitória.

Olhando para os resultados das eleições, parece estar em cima da mesa uma “geringonça 2.0”, através de entendimentos que envolvam o Bloco de Esquerda (19 deputados), a CDU (doze), o PAN (quatro) e o Livre (um). Porém, a situação política e a conjuntura macroeconómica são muito diferentes das que se verificavam em 2015, pelo que não devemos descartar outros cenários, nomeadamente o de entendimentos pontuais com um ou mais destes partidos, em vez de uma geringonça solene, de “papel passado”.

Em primeiro lugar, porque o poder negocial de António Costa face aos partidos da geringonça é agora superior, por uma questão de legitimidade. Nestas eleições, o PS foi o partido mais votado e recebeu mais votos do que há quatro anos, ao contrário dos seus parceiros de geringonça, a CDU e o Bloco, que perderam 115 mil e 57 mil votos, respetivamente.

Em segundo lugar, porque ao contrário do que sucedeu em 2015, não existe a alternativa de um governo de direita. Juntos, o PSD, o CDS e os pequenos partidos de direita não irão além do patamar dos 84/85 deputados (dependendo dos resultados do círculo da Imigração). O PS é o único partido capaz de formar um governo estável, através de entendimentos com outras forças. Mas não há pressa para fazer esses acordos, pois não é propriamente como se António Costa estivesse entre a espada e a parede. O próprio primeiro-ministro referiu, no discurso de vitória, que se os partidos da esquerda não estiverem dispostos a um “acordo político” que dure a totalidade da legislatura, o PS terá de ainda assim formar Governo e procurar negociar caso a caso. O mesmo é dizer que o PS não fará uma nova ‘geringonça’ a qualquer preço.

O que nos leva ao terceiro factor, que é a possibilidade de o próprio PSD viabilizar determinadas leis, tal como Rui Rio e figuras como Manuela Ferreira Leite deram a entender durante a campanha. Não é crível, por exemplo, que o PSD não viabilize o Orçamento do Estado para o próximo ano. Esta solução iria talvez contra o espírito dos tempos e seria provavelmente o último recurso de Costa, mas tem a seu favor um precedente histórico de peso: quando era líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa viabilizou vários Orçamentos apresentados pelo Governo minoritário liderado por António Guterres. E, convém lembrar, Marcelo é hoje o Presidente da República, tendo os resultados destas eleições reforçado a sua posição como garante da estabilidade.

 

Nota: Uma palavra final sobre o discurso de Rui Rio, que serviu sobretudo para tentar ajustar contas com os adversários internos, os “comentadores” e a imprensa em geral. Rio teve uma oportunidade de ouro para se mostrar magnânimo, mas desperdiçou-a.