Dois anos de geringonça. Passou rápido e sem grande turbulência. Poucos acreditavam que este Governo suportado por uma original coligação com a extrema-esquerda aguentasse tanto tempo. Aguentou e ainda bem. A nossa democracia necessitava de passar por esta experiência inclusiva dos partidos tradicionalmente antipoder e os astros conjugaram-se para que a experiência esteja a correr, surpreendentemente, melhor do que o esperado.

Até agora, as amarras desta união de esquerdas têm sido essencialmente duas: taticismo político e bons resultados económicos. E se a segunda corre de feição, a engrenagem começa a gripar na primeira.

A improvável estabilidade até agora conseguida pela solução parlamentar encontrada tem sido importante para Portugal. No entanto, mais do que a geringonça a puxar pela Economia, tem sido a Economia a puxar pela geringonça. Com maior ou menor fulgor, é provável que a nossa performance económica continue robusta no próximo ano, pelo que não será por aqui que a geringonça se irá desfazer.

É a segunda amarra da geringonça que começa a ceder. Tudo indica que será pelo taticismo político que a geringonça se desmoronará. As últimas autárquicas fizeram soar os alarmes de comunistas e bloquistas. Estão a ser engolidos pelo PS. Ficou claro que a partir desse momento a geringonça só teria rodas para andar enquanto fosse possível manter o marketing político da devolução de rendimentos. Ora, se o Governo for responsável (como se espera e se exige), em algum momento terá que colocar um travão às pretensões das corporações da função pública que têm vindo a ressuscitar nos últimos tempos. Ceder demasiado aos sindicatos da função pública (grandes bastiões de influência do Partido Comunista) não só é pagar um preço que não se pode pagar, como também é acentuar uma injustiça relativamente ao setor privado, que sofreu muito mais com a crise, que não tem emprego garantido, que não tem tempo para greves e que se bate para sobreviver num mercado cada vez mais exigente e competitivo.

António Costa tem-se revelado um mestre da negociação. Só que negociar não é a única coisa que se pede a um líder. Nem tão-pouco é a mais importante. Guterres foi o ex-líbris do diálogo e acabou por se “afogar” num pântano. Mais importante do que negociar tudo e com todos é decidir bem. É ter coragem de entrar em confronto quando tal é necessário. Se decidir bem implicar o fim da geringonça, assim seja. Mais vale uma instabilidade criada pelo bem maior do país do que uma estabilidade cujo preço não podemos nem devemos pagar.

As tragédias de 2017 já abalaram o alto patrocínio do Presidente da República ao Governo, mas 2018 será o ano em que a dupla Marcelo-Costa terá os seus maiores testes políticos desde que chegou ao poder.