Na semana passada, a classe governativa portuguesa fez parte do seu dever de serviço público e, com alguma criatividade, criou uma polémica em torno da nova injecção de capital do Fundo de Resolução no Novo Banco. E chamo a isto serviço público porque, pela primeira vez em meses, conseguiu-se ouvir três notícias seguidas sem menções ao coronavírus – por isso, senhor Presidente da República, senhor Presidente da Assembleia, senhor primeiro-ministro, senhoras e senhores deputados: obrigado.

De quarta para quinta-feira, a conversa na comunicação social envolvia já as palavras “Centeno” e “demissão”. O “Ronaldo das Finanças” parecia ter encontrado o seu Florentino Pérez e até o Presidente deu uma palmadinha nas costas ao Costa, que havia metido os pés pelas mãos no Parlamento, garantindo que não haveria mais injecções no Novo Banco até estar concluída a auditoria aos créditos do BES – algo que, claramente, não se viria a verificar.

Entretanto, esta nova injecção significará o início, também, de uma nova auditoria. Antes de estar concluída a que seria indispensável para se poder injectar mais fundos no banco. Que, apesar de indispensável, foi preterida na hora de se injectar 850 milhões do Fundo de Resolução (FdR). Já o BE continuou a sua saga de indignação, ignorando (ou esperando que ignorássemos nós) que esta injecção estava prevista no OE que aprovaram para este ano. Se isto fosse uma publicação no Instagram, seria claramente merecedora de um #Portugal.

Noutro fantástico negócio para o contribuinte português, a TAP, que anda há dez anos a apresentar prejuízos (excluindo 2017), chora agora por ajuda, à conta da pandemia. Sim, porque antes da Covid a TAP respirava saúde financeira, como se podia ver pela situação de falência técnica da empresa. E, melhor, Neeleman diz que a transportadora só precisa de “garantias do Estado” para se financiar.

Realmente, de um accionista maioritário – o Estado – que não quis o controlo da empresa já se espera tudo. Eu nem percebo porque é que não emitimos obrigações do tesouro para dar ao senhor Neeleman, coitado. Afinal, falamos mal da UE por não aceitar as coronabonds, podíamos dar o exemplo e resgatar o pobre coitado.

Um ponto em comum nestas duas situações (além do esbanjar descarado de dinheiro dos contribuintes) é a atribuição de prémios aos gestores destas empresas. Ora, analisando a questão de um ponto de vista ético ou moral, é óbvio que estes senhores serão condenáveis, criticáveis, até abomináveis; mas há muitas outras práticas empresariais que o seriam. No entanto, uma empresa, sendo um órgão privado, responde perante os seus accionistas, pelo que a avaliação ética do desempenho de uma companhia deverá recair sobre estes que, em função disso, decidirão se querem continuar a fazer parte, com o seu capital, de tal projecto.

E, de um ponto de vista empresarial, haverá melhor gestor do que aquele que gasta tudo como bem lhe apetece e, com um buraco gigantesco, consegue um resgate quase de borla do Estado? Se eu encontrasse alguém disposto a constituir uma sociedade a quem pudesse dar capital, deixar essa mesma sociedade gastar todo o dinheiro como bem lhe apetecesse (provavelmente prestando-me uns serviços que muito jeito me dariam) e, quando estivesse prestes a falir, o Governo nos emprestasse dinheiro com maturidades de 30 anos a taxas ridículas, não seria este um gestor de topo?

Mais uma vez, processos mal conduzidos vão-se arrastando e afundando ainda mais num país já bem atolado na lama, enquanto a opinião pública come com a testa os gelados atirados no Parlamento, grunhindo “isto é uma vergonha” enquanto ouve as reclamações bloquistas e comunistas, sendo que, quando estes aprovaram o OE, o Zé Povinho andava mais preocupado com a prestação do Benfica na Champions.

No meio disto tudo, o único que cumpriu o que estava estipulado e previsto, Mário Centeno, é que levou de todos os lados, sendo atacado pelo seu capitão de equipa (o PM), pelas outras equipas (os partidos), pelos adeptos (os eleitores) e até pelo seu treinador (o PR). Realmente, ninguém disse que era fácil ser Ronaldo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.