Sendo objetivo declarado da União Europeia afirmar e aprofundar a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas no mercado único europeu, o contexto de competição global entre blocos económicos e crescente digitalização da atividade económica têm determinado o setor financeiro como área preferencial de atuação regulatória.

Observando as tendências e alterações legislativas induzidas, potenciadas ou realizadas por intermédio da atividade regulatória europeia, verificamos como vetores fundamentais de atuação a proteção do consumidor de produtos financeiros, aqui se incluindo a harmonização dos níveis de informação e proteção conferidos ao consumidor de cada um dos subsetores do setor financeiro e, bem assim, a uniformização das condições de acesso e exercício de algumas atividades e serviços, sobretudo se potenciadoras de atividade transfronteiriça.

A clareza dos objetivos e – sobretudo – a sua eficácia resulta frequentemente prejudicada por três fatores.

1. Gold-plating. Em termos práticos, por gold-plating referimo-nos à imposição de requisitos adicionais – normas, orientações e guidelines – que aquando da transposição de diretivas ou regulamentação de normas a nível local ou nacional condiciona ou compromete os objetivos últimos, designadamente de uniformização, pretendidos pela política regulatória transnacional.

Assim, se ao transpor um dado normativo cada estado membro definir requisitos adicionais, o objetivo último de harmonização legislativa fica comprometido e o level playing field pretendido para um determinado espaço económico relegado para outro plano. Por exemplo, a definição de regras diversas – incluindo ao nível regulamentar – em matéria de identificação e onboarding de Clientes bancários ou prestação de serviços de pagamento pode, facilmente, prejudicar o objetivo último projetado para o espaço económico europeu. De igual modo, a imposição de requisitos diversos para a contratação de trabalhadores temporários (eg. imposição de políticas de bónus similares às dos Colaboradores dos quadros), influencia diretamente a capacidade – desde logo em estruturas multinacionais, de gerir de uma forma consistente os recursos necessários ao exercício da atividade.

2. Delimitação do espaço de general good. A definição de regras de aplicação necessária, seja em sede de determinação de lei aplicável a relações jurídicas plurilocalizadas, seja na circunscrição das regras aplicáveis a determinada atividade, têm relevância direta no acesso a mercados específicos. Por exemplo, a proibição de entradas em espécie – mesmo se não intencional, por exemplo, se motivada por preocupações de prevenção do branqueamento – na subscrição de apólices de seguros de unit-linked pode diminuir a atratividade de um determinado mercado ou, inclusivamente, condicionar a operativa de seguradores relevantes a operar com recurso à livre prestação de serviços.

3. Qualidade da técnica legislativa. Se aquando da transposição de um determinado regime jurídico, o processo legislativo ou regulamentar, incluindo por questões aparentemente formais, determinar incerteza ou divergência de requisitos aplicáveis aos agentes económicos, a conceção de produtos – se pretendida a nível transversal – pode resultar condicionada, impedindo ou condicionando a conceção de programas de produto transnacionais ou o estabelecimento de parcerias com contexto geográfico mas alargado.

Terminado o processo eleitoral recente – eleições europeias – é este o tema que deveria preocupar e ocupar todos os stakeholders, incluindo as entidades de supervisão de cada um dos estados membros. Será que – muitas vezes genuinamente, com finalidades legítimas de proteção do consumidor – estamos a afetar a livre circulação de capitais ou a livre prestação serviços?

Este equilíbrio de objetivos e interesses gera facilmente acréscimo dos custos de contexto, condiciona o acesso a cada um dos mercados da União Europeia e, a final, pode resultar numa abordagem casuística e fragmentada do mercado, o que não é o pretendido aquando da conceção da política regulatória – nacional ou europeia – em termos macro. Não se pretendendo reconduzir estes fatores, necessariamente, às flores do mal do sistema económico e da União, é este o tema crítico – nunca afirmado mas frequentemente repetido em surdina – que deve nortear a política e a agenda regulatória nacional.