A uma semana da tomada de posse de Donald Trump, aguardamos com expectativa a entrada em funcionamento do governo democrático com o maior património declarado da história: mais de 8.000 milhões de dólares. A visão mais cândida sobre o resultado das eleições americanas apontava para um cenário em que o discurso inflamado contra a ordem estabelecida, que levou surpreendentemente ao triunfo de um multimilionário promotor imobiliário, deveria ser substituído por uma prática de governação muito mais ortodoxa. Mas a constituição de um governo integrado por figuras atípicas, incluindo generais extremistas, ideólogos da ultradireita, empresários conhecidos por práticas antissociais e lobos das finanças, antecipa uma gestão pouco convencional e propensa aos sobressaltos. Parecem ser demasiadas raposas a cuidar das galinhas.
Tão contraproducente é reduzir a governação de um país à prática de gestão de uma empresa, como parece ser o caso do novo governo americano; como politizar as empresas enchendo-as de ex-governantes, prática tão habitual nos países latinos. Olhar para a sociedade como se fosse um mercado, em que tudo tem um preço e pode ser transacionado, é perigosamente reducionista. E utilizar os recursos de uma empresa para alimentar interesses ideológicos produz os resultados que hoje enchem as primeiras páginas dos jornais portugueses, nomeadamente no que respeita aos seus bancos.
As empresas não são democracias, nem tão só “democracias musculadas”, como proclamava um antigo colega meu. Funcionam quase sempre à base de maiorias absolutas e o diálogo é necessariamente limitado, em detrimento da ação. Em contraposição, a liderança de um país exige um diálogo inclusivo que procure consensos através da integração de pontos de vista muito diferentes. E, sobretudo, uma gestão do tempo, tanto dos prazos processuais como do horizonte temporal das políticas, bastante diferente das urgências que condicionam diariamente as decisões das empresas.
Governar um país como se fosse uma empresa pode ser não só ineficaz, mas também perigoso. À luz das primeiras tomadas de posição do futuro presidente americano, corre-se o risco de reduzir a política da principal potência mundial a um jogo binário, em que tudo é branco ou preto, sem matizes. A política económica não pode limitar-se a um jogo distributivo de soma zero porque, para funcionar e ser sustentável, exige cooperação entre os diferentes agentes, tanto no mercado interno como no comércio internacional. E, por isso, não pode reduzir-se a um exercício de concorrência despiedada entre uma espécie de mega Coca-Cola americana contra uma mega Pepsi chinesa porque a realidade demonstra que, se uma das partes funcionar, a outra pode funcionar ainda melhor.
Nessa base, o principal desafio intelectual do novo governo americano será substituir a voracidade empresarial pela liderança inclusiva e cooperante necessária para unir um país dividido e navegar num mundo multipolar, o que poderá não ser uma tarefa fácil.