Tiago Marreiros Moreira é sócio executivo do grupo empresarial & social e responsável pela área de fiscal da VdA. Em entrevista revela o impacto que teve o anúncio do Governo sobre os vistos gold nos grandes private equities interessados em investir em Portugal e que, assustados, suspenderam os investimentos.
Afinal a renovação dos vistos gold ainda é possível. Confirma? O Governo percebeu que a proposta inicial era prejudicial?
Após terem estado inoperacionais durante algum tempo, os sites do SEF voltaram a aceitar renovações de vistos gold porque perceberam que havia aqui um problema para os investidores que já estavam no programa. Já foram submetidos posteriormente a 16 de fevereiro pedidos de golden visa de clientes.
O que mudou?
Após várias críticas, foi finalmente eliminada da proposta de lei que altera os vistos gold a referência à data de 16 de fevereiro, para passar a referir a data de entrada em vigor da nova lei, tal como achávamos que iria acontecer. É fundamental assegurar estabilidade e segurança jurídica aos investidores porque nós estamos a passar uma má imagem do país para os investidores em geral (que não se resumem aos investidores dos vistos gold). Estamos a falar de empresários que têm outros investimentos em Portugal, não vieram só comprar uma casa para os vistos gold.
Que investimentos?
Temos clientes envolvidos em privatizações de grandes empresas portuguesas e importantes investidores em setores produtivos e estratégicos da economia com processos de vistos gold; falamos, nalguns casos, de empresários de topo à escala mundial, multi-milionários com capital disponível para investir em Portugal, que estão nos vistos gold, líderes de empresas globais nos sectores farmacêutico, tecnológico, industrial, etc, todas essas pessoas estão indignadas porque vêem nesta cessação do regime dos vistos gold uma quebra do compromisso do Estado português. A esses investidores foi-lhes exigido um compromisso de investimento durante cinco anos, mas o Estado parece não querer cumprir a sua parte, ao estar a negar o acesso ao programa de cinco anos. Esperamos que, com as alterações agora propostas, fique claro como se farão as renovações destas situações e que, no fim dos cinco anos, seja dada a possibilidade de acesso à cidadania, como acontecia até aqui. É fundamental assegurar que para os processos que ainda vão ser submetidos até a lei mudar ficam asseguradas as renovações dos processos de vistos gold. É o mínimo.
O regime dos vistos gold devia terminar?
Na minha opinião não, porque tem vindo a evoluir e tem trazido grandes benefícios para a economia portuguesa em geral. Não me choca que em 2023 também houvesse uma nova evolução do regime em vez de decretar o seu fim. Essa evolução devia ser aproveitada para ir de encontro aos objetivos do Governo no Mais Habitação, canalizando recursos financeiros do exterior para proporcionar habitação acessível (arrendamento).
Faz sentido num programa que se chama “Mais Habitação” acabar com os vistos gold para investimentos financeiros, inovação ou culturais?
Relativamente aos vistos gold com recurso a investimento financeiro não há razão nenhuma para desaparecerem porque nada têm a ver com os alegados temas suscitados a propósito da habitação e do imobiliário, por isso deviam continuar. Na componente imobiliária, o que fazia sentido era o Governo encorajar os fundos a investirem em imobiliário para arrendamento acessível, dando algum benefício que compensaria a diferença do preço de mercado face à renda bonificada, ou arranjando outro mecanismo de compensação. O Governo podia, por exemplo, optar pela imposição de uma política de diversificação do investimento aos fundos private equity que investem em imobiliário, exigindo uma percentagem obrigatória de investimento em imóveis para arrendamento acessível. Mas não há ainda um diploma legal aprovado e por isso há uma grande indefinição, no entanto tudo aponta para o fim de toda e qualquer “Autorização de Residência para a Atividade de Investimento”, não só do imobiliário.
Há risco de Portugal perder investimentos que estavam na calha?
Alguns fundos de private equity já foram constituídos, os clientes já lá colocaram o dinheiro e agora querem saber se podem ter acesso ao visto gold como previsto. Os próprios fundos estão em stand by, não sabem o que hão de dizer aos investidores.
Qual é a dimensão desses investimentos que ficaram em stand by por causa das medidas do Governo?
A dimensão deste investimento que está em stand by à espera da aprovação da lei é muito grande. Da ordem das centenas de milhões de euros. Temos fundos criados, em parceria, por bancos brasileiros que estão entre os maiores da América Latina, envolvidos nesta situação.
Em Portugal há várias sociedades gestoras de fundos e promotores imobiliários que, para canalizarem para os seus projetos este tipo de investimento, fizeram parcerias igualmente com sociedades gestoras para a criação deste tipo de fundos, e que também estão em stand by.
Além de fundos de private equity dedicados especificamente ao produto golden visa, existem igualmente fundos mistos que investem em imóveis e empresas de vários sectores, como a saúde e a energia. Depois, alguns dos maiores projetos imobiliários em Portugal têm igualmente sido capitalizados pelos golden visa.
Na última proposta de lei está prevista a conversão dos vistos gold em “imigrantes empreendedores” mantendo os prazos de permanência no país do regime dos golden visa…
A nova proposta apenas permite o período de 7 ou 14 dias para as renovações dos vistos gold já submetidos e não para quem vier a submeter novos pedidos de vistos. Os grandes investidores da atualidade são globe trotters. Não faz sentido a obrigatoriedade de o investidor estrangeiro permanecer seis meses em Portugal. O investimento relevante é mais importante do que permanecer seis meses no país. De facto os vistos gold dão uma flexibilidade que é adequada ao mundo atual, que é a de obrigar a permanecer em Portugal apenas sete dias por ano (no primeiro ano).
Porque é que os vistos gold são importantes para a economia?
Este é um momento muito delicado para terminar o programa dos vistos gold. A nossa economia está pendurada por arames e apesar de não estarmos como na crise financeira de 2008, porque os bancos estão mais capitalizados, temos alguns riscos de abrandamento da atividade económica. Olhando para os últimos 30 anos, constata-se que Portugal sempre foi um país muito dependente da atividade imobiliária, que é transversal à sociedade portuguesa. O imobiliário cria emprego e promove atividade económica em diversos setores.
O Programa de Autorização de Residência para Investimento foi lançado em 2012 e captou 6.118 milhões de euros de investimento. Portugal perde com o fim dos vistos gold?
São cerca de 700 milhões de euros anuais que estavam a entrar na economia portuguesa por via deste programa (investimento direto) e sem recurso à banca nacional. Mas os investidores que vêm para Portugal por causa dos vistos gold, fazem outros investimentos, imobiliários e não imobiliários. Há um grande efeito multiplicador. Por outro lado, para ter acesso aos vistos gold o investidor estrangeiro tem de pagar também ao Estado taxas administrativas ao longo dos cinco anos, e os seus serviços são principescamente pagos. Mas mesmo se esses valores fossem aumentados, os investidores vinham na mesma.
O Primeiro-Ministro disse que “nada justifica que haja um regime especial para os vistos gold” e que entre 2012 e 2023 a maioria destas autorizações de residência (89%) destinaram-se à compra de imóveis e que foram atribuídos 11.758 vistos gold e só em 22 casos houve criação de emprego, é verdade?
É uma visão deturpada e limitada da realidade porque o Primeiro Ministro está a referir-se exclusivamente a uma das possibilidades que existe nos vistos gold, que é a de ter acesso ao programa por criação de postos de trabalho. Esta vertente dos vistos gold não teve sucesso, porque nasceu de uma ideia idílica de trazer estrangeiros que vão criar empresas e postos de trabalho. Mas, os mais de 11 mil vistos gold geraram muitíssimo mais emprego indireto e tráfego, porque muitas pessoas só ouviram falar de Portugal por causa dos vistos gold e voltam depois com a família, amigos e com outros investidores. No setor imobiliário também, criou-se muito emprego nos serviços que são prestados à volta do setor. Há igualmente impacto positivo no consumo por este programa por causa do incremento de turismo económico, alavancado pelo regime dos residentes não habituais, com o consequente aumento das receitas para o Estado no IVA e noutros impostos sobre o consumo.
Os vistos gold puseram Portugal no mapa…
Os vistos gold colocaram Portugal nos lugares cimeiros dos rankings mundiais como país de investimento preferido para os private equities e family offices no setor imobiliário, que querem ter ativos em Portugal no seu portfólio. Isto não acontecia antes destes programas estarem em vigor. Esta dinâmica foi fruto de uma conjugação muito feliz da simplificação do regime do arrendamento urbano, da criação do regime de reabilitação urbana com alguns benefícios fiscais, conjugado com o regime dos residentes não habituais e com a entrada em vigor do regime dos vistos gold em 2012. Hoje é fácil dizer que Portugal está na moda. Mas podemos perder esse estatuto com a mesma rapidez com que o conquistámos, se passarmos sinais preocupantes como os que estamos a passar para o investidor estrangeiro, que precisa de estabilidade e previsibilidade para investir a prazo. Na Europa temos muitos outros concorrentes pelo investimento direto estrangeiro gerado por este programa.
Da sua experiência como advogado que presta regularmente assessoria a empresas dos principais setores da economia, que conselho deixaria a António Costa?
Os próximos anos vão ser complicados para a economia portuguesa. É importante o Governo ter uma visão estratégica para o país que não faça abrandar o investimento e a atividade económica. O fim do programa dos vistos gold, que foi o mais bem-sucedido do género na Europa, tem efeitos na competitividade do país. Demora vários anos a construir-se reputação e a entrar-se numa short-list de competitividade, mas leva breves minutos a destruir.
Sobre o elevado preço das casas em Portugal, incomportáveis para os ordenados dos portugueses, não acredita na eficácia do “Mais Habitação”?
O tema não se vai resolver com este pacote “Mais Habitação”, pelo menos rapidamente. Mesmo que este pacote tivesse sucesso iria levar anos até que o mercado conseguisse colocar essas casas no arrendamento acessível. Mas se criaram condições favoráveis para que sejam os privados a fazê-lo o processo será muito mais rápido. Se forem criados os incentivos certos, como aconteceu nos vistos gold e no regime de reabilitação urbana, o mercado responderá de forma dinâmica. O capital existe e os investidores querem investir. Mas tive clientes que queriam investir centenas de milhões de euros em Lisboa nos programas da Câmara Municipal para o arrendamento acessível, com benefícios fiscais para os investidores, e foram-se embora porque era tal a burocracia e incerteza em relação às regras a aplicar e à forma de rentabilizarem o projeto, que depois de estarem mais de um ano a tentarem concretizar os investimentos sem sucesso, decidiram investir noutro país.
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