A criação da nova entidade da Administração Pública, designada de Centro de Pessoas e Administração Pública (CEPAP), foi vetada por Marcelo Rebelo de Sousa mas a AD já garantiu, através de Joaquim Miranda Sarmento, que insistirá nesta mudança.
Em entrevista ao JE, Daniela Branco, business and innovation Ecosystem Manager na FI GROUP (uma empresa de consultoria global especializada na gestão de incentivos e da inovação), destaca que não se trata de uma mera fusão ou reorganização mas sim de uma visão sobre o papel do Estado enquanto empregador e gestor de talento.
Para esta especialista, esta recentralização e racionalização da gestão dos recursos humanos fica em causa a partir do momento em que é feita “sem escutar as entidades envolvidas” o que por si só “levanta dúvidas legítimas sobre o seu método e objetivos”.
O que está em causa com a criação desta nova entidade e o que mostra o veto presidencial a esta solução?
O que está em causa não é apenas a fusão ou reorganização de estruturas administrativas. É uma visão sobre o papel do Estado enquanto empregador e gestor de talento. É uma tentativa de recentralizar e racionalizar a gestão dos recursos humanos da administração pública sob uma nova entidade, o CEPAP. Mas fazê-lo sem escutar as entidades envolvidas levanta dúvidas legítimas sobre o seu método e os
objetivos, revelando uma visão que ignora a cultura institucional do setor público. O veto do Presidente é um sinal político forte e um alerta sobre a importância do consenso institucional em reformas estruturais. Marcelo está a dizer, com este veto, que as reformas na administração pública não podem ser impostas de cima para baixo, sem escuta nem consenso. Porque a forma como o Estado se organiza internamente não é apenas uma questão técnica, tem impacto direto no país como um todo. Para quem acompanha a interação entre políticas públicas e o ecossistema de inovação diariamente, torna-se evidente que quaisquer reformas feitas à margem das pessoas raramente geram impacto sustentável.
O ministro das Finanças considerou que, na componente da Administração Pública (emprego público, carreiras, formação, serviços sociais), esta está muito descapitalizada e subaproveitada. Este cenário corresponde à realidade e justifica este tipo de ação?
Em termos gerais, sim, a constatação do ministro é realista. Há um défice claro de modernização da administração pública portuguesa, que ainda sofre de envelhecimento dos quadros, falta de formação contínua, rigidez nas carreiras e de uma gestão de pessoas mais orientada pela regra do que pelo mérito. Isso sente-se diariamente em muitos projetos onde colaboramos com entidades públicas, seja na execução de fundos europeus ou na articulação com empresas e organismos de investigação ou entidades do ensino superior, onde se percebe que muitos dos constrangimentos à eficiência estão na máquina administrativa.
Mas a solução proposta de concentrar competências numa nova entidade levanta, na minha opinião, também muitas dúvidas, porque reorganizar não é reformar. E a resposta precisa de ser mais estratégica e cultural do que estrutural. Fundir entidades sem mudar os modelos de gestão, sem redefinir incentivos, sem uma mudança real na cultura de gestão pública e uma valorização efetiva do capital humano vai acabar por repetir os problemas, mas com uma nova sigla. E nesse caso, essa nova entidade corre o risco sério de ser apenas mais um organismo burocrático. Portanto, a ação em si só se justifica se for acompanhada de uma estratégia clara de capacitação, investimento em competências e modernização dos sistemas de gestão pública. É preciso reformar com visão e com pessoas e isso exige tempo, escuta e liderança.
Que soluções podem ser encontradas por parte do próximo Governo no sentido de melhorar a gestão da despesa pública?
Do que vejo no terreno, uma boa gestão da despesa pública depende cada vez mais de três fatores: capacitação, digitalização e accountability. Capacitação para dar autonomia e ferramentas aos gestores públicos; digitalização para simplificar processos com sistemas interoperáveis que evitem redundâncias e libertem tempo para decisões estratégicas; e accountability para garantir que o investimento gera impacto. Estamos também a falar em incidir sobre a avaliação e remuneração por desempenho, para premiar a eficiência e combater o imobilismo, investir na formação contínua e no reskilling, e em trabalhar melhor a orçamentação por programas e resultados, substituindo a lógica da despesa pela lógica do impacto, como aliás já se tem preconizado nos últimos anos nos fundos europeus, ao cobrar-se resultados às empresas.
Portanto, mais do que criar novas entidades, o próximo governo deve apostar na profissionalização da gestão pública e na valorização dos seus quadros, porque o setor público precisa fundamentalmente de aprender a gerir com foco em valor, mais do que apenas cortar despesa. Essa transição exige uma nova cultura administrativa, que vai além do que a criação de um novo organismo permite. E aqui, o papel do
Estado enquanto “inovador institucional” é tão ou mais importante do que aquele mais simplista que tem assumido enquanto financiador.
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