O Governo do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tomará posse na segunda-feira, e as políticas que defende serão um grande desafio para o Brasil na presidência do BRICS, este ano, disseram analistas consultados pela Lusa.
Em novembro passado Trump disse que os Estados Unidos vão impor tarifas de importação de 100% sobre produtos do grupo de economias emergentes BRICS, caso os países membros tentem substituir o dólar por outras moedas em transações comerciais internacionais.
A agenda brasileira na liderança do BRICS – grupo fundado por Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul, e que admitiu como membros plenos também o Irão, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados, Árabes Unidos e a Indonésia – tem entre os seus pontos centrais o debate sobre a utilização de moedas locais para promover o comércio internacional e investimentos, aumentar a cooperação no Sul Global, além de promover uma governança mais inclusiva e sustentável.
Marta Fernández, diretora do Brics Policy Centrer da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, avaliou que as ameaças de Trump “podem ser mais uma bravata”, mas também considerou que uma oposição tão direta e a ameaça de taxações nos Estados Unidos tende a fazer com que o “avanço no uso das moedas locais para as transações comerciais ocorra de uma forma mais lenta” dentro do BRICS.
Paulo Borba Casella, diretor do Grupo de Estudos sobre o Brics (Gebrics) da Universidade de São Paulo (USP), salientou que o regresso de Trump ao Governo dos Estados Unidos é um fator de incerteza, tensão e riscos desnecessários, mas considerou que a “ameaça que ele fez, de sobretaxar em 100% as exportações dos países do BRICS caso usem uma outra moeda de troca e de conta no comércio internacional que não fosse o dólar, é uma bobagem”.
“Os Estados Unidos não têm controlo total de todo o comércio mundial. E sobretaxar importações de outros países não é só algo que atua contra o país que exporta, também gera inflação e desabastecimento no mercado interno americano”, acrescentou.
O mesmo especialista afirmou que a ascensão de Trump é “uma ameaça para o mundo (…), é uma ameaça pelo tipo de atitude que já tomou no passado para a sobrevivência e a saúde da democracia americana e pelo desapreço que ele tem pelas instituições internacionais, pelas regras que regem o sistema institucional e normativo internacional. [Trump] tem um discurso tão negativo para o sistema internacional quanto o [Presidente russo, Vladimir] Putin”.
A diretora do Brics Policy Center mencionou que outro desafio que Trump traz à presidência brasileira no BRICS diz respeito à regulação da inteligência artificial e à governança digital, que o país sul-americano levará aos debates.
A posição brasileira de regular o uso da inteligência artificial e responsabilizar plataformas por práticas que entrem em choque com leis locais contrapõe-se à tendência que se fortaleceu com a eleição de Trump, de desregulamentação, defendida por grandes empresas de tecnologia que apoiam o Presidente norte-americano.
“O Brasil também vai continuar tendo como uma das suas prioridades discutir a questão das mudanças climáticas, a questão do desenvolvimento sustentável, até para ser um elo depois com a COP-30 [30.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima], que também vai ser sediada no Brasil, em Belém, e eu acho que esse também pode ser um outro desafio importante”, completou Marta Fernández.
Casella lembrou que “a ordem mundial consolidada após a Segunda Guerra Mundial continua a ser central para o sistema internacional vigente, mas precisa de alguns ajustes (…). O papel do Brasil na presidência temporária do BRICS em 2025 não é de romper com o sistema, mas a defesa de que o sistema internacional precisa ser atualizado e ajustado para refletir o equilíbrio mundial que existe hoje ou a falta de equilíbrio”.
“O Brasil pode trazer bom senso e tentar manter o equilíbrio num contexto internacional que tem um acirramento de tensões desnecessárias”, concluiu.
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