Ouve-se recorrentemente o argumento, feito por políticos, empresários e analistas, de que os desequilíbrios macroeconómicos do nosso país, da balança comercial ao orçamento do Estado, são em grande parte devidos às políticas orçamentais muito conservadoras dos países do norte da Europa, da Alemanha e Suécia, da Holanda e Finlândia ou, quando elas se tornam mais expansionistas, como agora, de não serem suficientemente expansionistas.

Se os estados desses países, é arrazoado, compensassem a sua débil procura interna com mais despesa pública isso estimularia as suas importações, diminuiria os seus excedentes comerciais, e estimularia a produção nos países do sul da Europa o que contribuiria para o equilíbrio da nossa balança comercial e aliviaria o esforço orçamental de países como Portugal, contribuindo assim para que os nossos défices comercial e orçamental não fossem tão obscenos.

Este argumento ignora, no entanto, um aspeto muito importante da realidade. A União Europeia não é nem uma pequena economia aberta, nem uma grande economia fechada, mas uma grande economia aberta que ativamente exporta e importa grandes montantes de bens e serviços do resto do mundo.

Isto significa que os mecanismos de ajustamento macroeconómico são afetados de modo muito relevante pela interdependência económica global que a pandemia, e a deterioração das relações da China com os Estados Unidos e Europa, ainda não fez diminuir. Assim, um aumento da despesa pública na Alemanha não implica um aumento nem automático nem significativo do produto interno português. Nem a redução dos seus superavits comerciais tem de ser acompanhada pela redução dos nossos déficits.

Os principais beneficiários de um aumento da procura alemã serão sempre os países da Europa central cujas economias conseguiram integrar-se mais intimamente nas supply chains alemãs durante os últimos 30 anos do que a nossa conseguiu nos últimos 70. A maior parte dos modelos económicos atuais mostram que um aumento de um por cento da procura interna alemã teria um impacto positivo de cinco centésimas de por cento, ou menos, do nosso produto interno.

A culpa de os portugueses terem menos rendimento, terem mais dívida e serem mais pobres que alemães ou holandeses não se deve a alemães e holandeses serem forretas. Deve-se antes de mais à diferença das escolhas cumulativas, feitas ao longo das últimas dezenas de anos, relativamente a poupança e investimento, educação e formação, impostos e burocracia. Deve-se, também, àquilo que os nossos empresários têm optado por produzir e a quem têm escolhido vender: aos portugueses e ao Estado português, clientes próximos e pouco exigentes, em vez de a empresas alemãs ou consumidores japoneses.

Com a estrutura do comércio internacional que hoje existe não há políticas suficientemente expansionistas na Alemanha ou no norte da Europa que nos valham. Se quisermos beneficiar do expansionismo fiscal desses países temos de produzir e vender coisas que eles nos queiram comprar.